Uso de gravação de interrogatório como prova emprestada depende de consentimento do acusado

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Em dezembro de 2022, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em acórdão de relatoria do Des. Henrique Abi-Ackel Torres, anulou a condenação por tráfico de drogas de um réu acusado de adquirir, no ano de 2020, 2,5 toneladas de maconha. O motivo da anulação consistiu no fato de que a prova fundamental para a condenação teria violado a garantia fundamental da não autoincriminação.

As drogas foram apreendidas enquanto estavam em uma propriedade rural, sob escolta de três indivíduos que as estavam transportando. Eles foram presos em flagrante e seus pertences, como o veículo e celulares, foram apreendidos. Sobre os aparelhos, recaiu quebra de sigilo autorizada judicialmente, o que possibilitou acesso a conversas por mensagens de texto e áudio.

Durante a fase investigativa, para confirmar a suspeita de que o acusado era verdadeiramente o adquirente de tais drogas, foi realizado um contraste entre uma gravação de áudio colhida de um dos celulares apreendidos com os transportadores das drogas e, de outro lado, a gravação do interrogatório do acusado, colhida em outro inquérito policial.

Essa outra investigação fora instaurada no ano de 2015 versava sobre fatos completamente distintos daqueles apurados no inquérito de 2020. E, ademais, o acusado na ocasião de seu interrogatório permaneceu em silêncio quanto aos fatos, tendo falado em gravação apenas sobre seus dados de qualificação. Ou seja, seu desejo de exercer seu direito a não autoincriminação era inequívoco.

No entanto, o áudio de sua fala foi utilizado, sem seu consentimento, para servir de base de comparação em exame pericial dos áudios extraídos do celular de um dos transportadores dos entorpecentes. O laudo concluiu que a voz dele era compatível com à dos áudios do celular, de modo que concluiu-se ser ele o adquirente das 2,5 toneladas de maconha. Assim, ele foi condenado em primeiro grau.

Ao ser o caso examinado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a Câmara julgadora entendeu que o réu teve seu direito à não se autoincriminar violado, uma vez que não sabia que sua voz seria utilizada contra ele em futuro exame pericial. Para afastar a violação, o réu deveria ser informado de que sua voz seria utilizada como padrão vocal no exame pericial, fazendo com que o exercício de seu direito se desse de forma livre e consciente.

No entanto, o delegado responsável pelo inquérito, ao ser ouvido em juízo, esclareceu que a gravação foi premeditada para colher seu padrão vocal, mas que não advertiu o acusado disso. Por essas razões, e amparado na doutrina majoritária e em um precedente do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Mineiro declarou ilícita a prova do exame das gravações vocais e todos os elementos dela decorrentes, de modo que foram anuladas. Por fim, sendo as provas remanescentes insuficientes para eliminar a dúvida quanto a autoria do acusado, ele foi absolvido por insuficiência probatória.

Apelação n.º 1.0701.20.009297-4/001

Fonte: TJMG