Telas sistêmicas servem para demonstrar a existência de contratos pela internet

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O Poder Judiciário não aceita telas sistêmicas e unilaterais como provas produzidas por fornecedores em relações de consumo? Definitivamente estamos assistindo um fenômeno paulatino, porém extremamente consistente, de superação de um dos mais clássicos jargões da advocacia contemporânea de massa. Todo o investimento das empresas em armazenamento de informações e sua organização interna para apresentação detalhada em Juízo tem sido recompensado por decisões judiciais, especialmente do Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo, que julgam improcedentes pedidos de consumidores com base nas até pouco tempo malfadadas “telas sistêmicas”.

O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão monocrática proferida pelo Ministro Humberto Martins ao julgar o AResp 1751644/PR, entendeu que “é fato que se tratando de contrato eletrônico bancário, justamente pelo fato de a operação necessitar do cartão, digitação da senha pelo cliente ou biometria, não haverá instrumento contratual físico assinado pela correntista.

Todavia, as informações da operação são mantidas em registro sistêmico do banco, razão pela qual o print da tela da instituição financeira é documento comprobatório da contratação”. Prosseguiu o ilustre Ministro, em manifesta aplicação da teoria do conjunto probatório, afirmando que do “extrato juntado pela parte autora, constata-se que foram debitadas 09 (nove) parcelas do seguro na sua conta corrente, não sendo crível que, por considerável período, a correntista permitisse o lançamento de algo que não tivesse contratado”.

O precedente em questão é ainda mais emblemático porque manteve decisão do Tribunal de Justiça do Paraná aplicando a súmula 07, justamente aquela que impede o Superior Tribunal de Justiça de reexaminar prova. Nesse caso específico, o Ministro Humberto Martins rechaça o recurso do consumidor com base na impossibilidade de reexaminar provas, mas faz questão de prestigiar as provas produzidas pela instituição financeira a partir de seus sistemas internos que controle e armazenamento de dados de clientes.

Não há, sob qualquer ângulo, razão que justifique a desconsideração pelo Poder Judiciário de material informativo apresentado pelos fornecedores em relações de consumo nas demandas judiciais pelos fornecedores. A exigência à observância dos princípios da colaboração e da boa-fé processual e os valores constitucionais do acesso à justiça, do contraditório, da ampla defesa, da isonomia e do devido processo legal asseguram a todos os jurisdicionados – sejam eles “criminosos” ou “fornecedores em relações de consumo” – o direito de liberdade argumentativa e de produção de provas e indícios e subsidiem suas teses.

Em recente julgamento ocorrido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o julgador da 19a Vara Cível da Capital (0185690-65.2021.8.19.0001), em caso em que o consumidor questionava a existência de contrato com operadora de telefonia, afirmou textualmente que “a falta de apresentação do contrato assinado ou de gravação telefônica não gera, por si só, a presunção de que não houve a contratação. Isso porque é comum a contratação de serviços pelo consumidor sem a necessidade de assinatura de contrato”.

Finalizou sua fundamentação asseverando que, nessa hipótese, “acolher a tese autoral significará jogar a escanteio todos os arquivos eletrônicos armazenados pelas empresas fornecedoras, além de partir de pressuposto que as empresas atuam de má-fé, adulterando informações em seus sistemas e nas faturas”.

Ademais, e considerando os grandes fornecedores litigantes junto ao Poder Judiciário, estamos tratando de empresas muitas delas:

– listadas em Bolsa de Valores;

– reguladas por agências governamentais;

– sujeitas à rigorosos regimes até internacionais de compliance;

– submetidas às regras da Lei Geral de Proteção de Dados;

– auditadas internamente e externamente;

– com regras claras de governança corporativa e anticorrupção e;

– possibilidade de responsabilização criminal de gestores por atos de má prática empresarial.

Não seria crível que todos esses exemplificativos sete pontos fossem desconsiderados no cotidiano empresarial para que fantasiosamente fossem produzidas evidências para tentar vencer demandas individuais de consumidores. Muito pelo contrário. A não aceitação de telas sistêmicas é que gerou um ambiente judicial para a propositura de demandas aventureiras, sem qualquer lastro probatório, e que confiando “lotericamente” na inversão do ônus da prova abarrotou o Poder Judiciário em flagrante abuso ao direito de demandar.

Por Hugo Filardi, advogado na SiqueiraCastro – Rio de Janeiro