Em decisão inédita, o Ministro Marco Aurélio Bellizze admitiu a competência originária do STJ para processamento e julgamento de conflito de competência entre dois Tribunais Arbitrais, vinculados a mesma Câmara de Arbitragem.
A decisão em questão foi proferida no CC nº 185.705, no qual consta suscitante a JBS e como suscitados o Tribunal Arbitral do Procedimento Arbitral nº 186/2021 e o Tribunal Arbitral dos Procedimentos Arbitrais nºs 93/2017 e 110/2018, todos em trâmite perante a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM).
Os Procedimentos Arbitrais nºs 93/2017 e 110/2018 foram instaurados por dois acionistas minoritários da JBS, na qualidade de legitimados extraordinários, na defesa dos interesses da JBS, com fulcro no artigo 246 da Lei nº 6.404/76. Tais procedimentos, que foram reunidos para julgamento conjunto, tiveram por fim responsabilizar civilmente os acionistas controladores da JBS pelos danos decorrentes de ilícitos confessados em acordos de delação premiada e leniência, firmados com o Ministério Público Federal (MPF). A JBS figura nestes procedimentos como interveniente.
Após obter autorização assemblear, a JBS instaurou o Procedimento Arbitral nº 186/2021, como legitimada ordinária e na defesa de interesses próprios, objetivando responsabilizar civilmente não apenas seus acionistas controladores, como também seus administradores e ex-administradores pelos mesmos fatos ilícitos tratados nos procedimentos arbitrais anteriormente mencionados, tudo com esteio nos artigos 159 e 246 da Lei nº 6.404/76.
O conflito de competência foi suscitado, porque estes Tribunais Arbitrais proferiram decisões excludentes entre si.
O Tribunal Arbitral do Procedimento Arbitral nº 186/2021 firmou seu entendimento no sentido de que (i) os efeitos da coisa julgada da sentença que vier a proferir naqueles autos se sobrepõe ao que eventualmente for decidido nos Procedimentos Arbitrais nºs 93/2017 e 110/2018; e, ainda, que (ii) houve o esvaziamento da legitimidade extraordinária dos acionistas minoritários, em função da instauração de procedimento arbitral com o mesmo fim pela JBS.
Já o Tribunal Arbitral dos Procedimentos Arbitrais nºs 93/2017 e 110/2018 entendeu que aqueles processos não deixariam de existir, em virtude da deflagração posterior de ação de responsabilidade civil pela substituída processual (JBS), bem como que a coisa julgada de sua sentença produziria efeitos tanto com relação às partes (dos Procedimentos Arbitrais nº. 93/2017 e 110/2018), como em relação à própria JBS.
O Presidente da CAM considerou que não teria competência para decidir o conflito, diante da omissão do Regulamento a esse respeito.
Assim, a JBS deflagrou o conflito de competência em questão, no qual defendeu, dentre outras questões, a competência originária do STJ, para processa-lo e julga-lo, com esteio no artigo 105, inciso I, alínea “d” da CRFB, que assim dispõe:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;
O Ministro Marco Aurélio Bellizze entendeu que o artigo 105, inciso I, alínea “d” da CRFB seria aplicável ao caso, visto que, muito embora o Tribunal Arbitral não componha organicamente o Poder Judiciário, desenvolve atividade jurisdicional. Assim, firmou seu entendimento no sentido de que o Tribunal Arbitral estaria compreendido na expressão “quaisquer tribunais”, prevista no artigo 105, inciso I, alínea “d” da CRFB. Pertinente a transcrição de alguns trechos daquele voto:
“Nesses termos, estabelecida a natureza jurisdicional da arbitragem, tem-se que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça passou a reconhecer que o Tribunal arbitral se insere, indiscutivelmente, na expressão “quaisquer tribunais”, constante no art. 105, I, d, da Constituição Federal.
É dizer, segundo a compreensão adotada pela Segunda Seção, a redação constitucional não pressupõe que o conflito de competência perante o STJ dê-se apenas entre órgãos judicantes pertencentes necessariamente ao Poder Judiciário, podendo ser integrado também por Tribunal arbitral.
Nesse sentido, o Ministro Marco Aurélio Bellizze concluiu “competir ao Superior Tribunal de Justiça, em atenção à função constitucional que lhe é atribuída no art. 105, I, d, da Carta Magna, conhecer e julgar o conflito de competência estabelecido entre Tribunais Arbitrais, que ostentam natureza jurisdicional, ainda que vinculados à mesma Câmara de Arbitragem, sobretudo se a solução interna para o impasse criado não é objeto de disciplina regulamentar”.
Nossa equipe está à disposição para prestar qualquer esclarecimento necessário relativo à matéria.
Informe escrito por:
Daniela Soares Domingues
Sócia Coordenadora do Setor Contencioso Estratégico e Arbitragem
ddomingues@siqueiracastro.com.br
Talita Castro Ayres
Sócia do Setor Contencioso Estratégico e Arbitragem