Iniciou-se, em 22.09.2023, o julgamento da Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) de n.º 442 no Supremo Tribunal Federal. A ação constitucional versa sobre a não recepção dos arts. 124 e 126 do Código Penal pelo desenho constitucional posto pela Constituição Federal de 1988, uma vez que estes tipos penais dispõem sobre a criminalização da interrupção voluntária da gravidez pela gestante e pelo profissional que, com o consentimento desta, executa o procedimento.
A discussão sobre a recepção ou não dos dispositivos foi suscitada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) que ajuizou a ADPF na corte constitucional. Trata-se de tema que passa, há décadas, por acirradas disputas entre aqueles que entendem que a criminalização do aborto seria relevante a para a proteção da vida, e aqueles que vêm nela a violação da dignidade das mulheres, de sua autonomia e de seus direitos reprodutivos, todos alçados a direitos fundamentais pela Constituição de 1988.
Inaugurando a sessão virtual de julgamento, votou a então Ministra e relatora Rosa Weber, que já deixou sua cadeira na Corte. Em um voto de 129 páginas, a Ministra abordou diversos pontos cruciais a compreensão do seu ponto de vista. Notadamente, discorreu sobre a ausência de amparo, no desenho constitucional atual, da convicção de que a vida humana começa desde a concepção; abordou as conquistas alcançadas nas disputas pelos direitos das mulheres, que hoje tem sua dignidade, autonomia, e liberdades reprodutivas garantidas a nível formal.
A despeito desses avanços, a Relatora apontou que a criminalização da interrupção voluntária da gravidez é, precisamente, uma realidade que inviabiliza a concretização dos direitos as mulheres. Entendeu que os discursos que julgam adequada a criminalização, sejam embasados em uma ótica jurídica de proteção da vida ou sejam embasados numa ótica moral e religiosa, relegam a mulher uma posição subalterna, retirando sua autonomia para decidir seu destino e seus corpos.
Registrou ainda, que a opção pela criminalização parte de uma premissa ilusória de a ameaça penal evita que as mulheres decidam interromper suas gestações. E, diante ilicitude do procedimento, a criminalização a sujeita as mulheres a realidades degradantes, uma vez que, em um cenário social desigual como o Brasileiro, retira as possibilidades da maior parte da população feminina em buscar procedimentos abortivos seguros e clínicas e hospitais, obrigando-as a colocarem suas vidas em risco com métodos de interrupção sem o devido amparo médico e científico.
Finalizando seu voto, a relatora explicou que tipificação desses crimes foi instituída há mais de 70 anos, e, a esse tempo, as mulheres não tiveram a oportunidade de participar das discussões, exatamente porque não tinham alcançado ainda o reconhecimento dos direitos que hoje lhes são garantidos. Com essas razões a relator, votou por declarar a não recepção parcial dos art. 124 e 126 do Código Penal, em ordem a excluir do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação realizada nas primeiras doze semanas.
Após o voto da Ministra Rosa Weber, a sessão foi suspensa por pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso, e, assim, continuará em sessão presencial do Plenário, a fim de que os demais ministros apresentem seus votos. Ainda não há data definida.
ADPF n.º 442