A impossibilidade de condenação em Danos Morais Coletivos nas ações de Relação de Consumo que tutelem direitos individuais homogêneos

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A importância do REsp nº 1.610.821/ RJ de diferenciar o dano moral individual, do coletivo, e de orientar a jurisprudência dos tribunais pátrios sobre o tema visa, de sobremaneira, privilegiar as supostas vítimas do dano, permitindo a justa e proporcional compensação e, ao mesmo tempo, obstar pretensões aduzidas em ações coletivas que possam impactar negativamente, e de modo injusto, as partes demandadas quando o assunto é Relação de Consumo.

Para entender este importante julgado, externa-se que, em síntese, o MPRJ ajuizou ação civil pública em face de Fast Shop S.A., arguindo “prática comercial abusiva que condiciona a realização da troca de produtos com vício ao prazo máximo de 7 (sete) dias úteis, contados da emissão da nota fiscal, reduzindo de forma arbitrária o prazo de garantia legal (CDC, art. 26) e afrontando as regras do art. 18 do CDC”

A sentença foi parcialmente procedente em determinar condenação em danos morais individuais, indeferido os danos morais coletivos postulados, apresentados os recursos adequados, o E.TJRJ proferiu acórdão, negando a pretensão recursal do MPRJ, e reformando parcialmente a sentença excluindo a condenação em danos morais.

O MPRJ apresentou Recurso Especial que foi autuado sob o nº 1.610.821 RJ[1] (2014/0019900-5), de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão. Com o tecnicismo que lhe é peculiar, o I. Ministro do C. STJ, citando as preciosas lições do professor Leonardo Roscoe Bessa, expõe sobre a autonomia entre o dano moral individual e coletivo, ao asseverar:

O dano moral coletivo é autônomo, não se confundindo com a pretensão dos danos morais individuais (de direitos individuais homogêneos). De fato, “o dano extrapatrimonial, na área de direitos metaindividuais, decorre da lesão em si a tais interesses, independentemente de afetação paralela de patrimônio ou de higidez psicofísica. A noção se aproxima da ofensa ao bem jurídico do direito penal que, invariavelmente, dispensa resultado naturalístico, daí a distinção entre crimes material, formal e de mera conduta, bem como se falar em crime de perigo. Em outros termos, há que se perquerir, analisando a conduta lesiva em concreto, se o interesse que se buscou proteger foi atingido” (BESSA, Leonardo Roscoe. Código de Defesa do Consumidor comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 78)

Consumo. Crédito: banco de imagens

Nos autos do REsp: 636.021/RJ[2], de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi citando as lições do professor Carlos Alberto Bittar Filho[3], define o Dano Moral Coletivo como “a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos”

Tais conceitos são importantes em razão do i. Ministro Luís Felipe Salomão externar na fundamentação do seu voto, nos autos do REsp nº 1.610.821/ RJ, que para configuração do dano moral coletivo é necessário à ocorrência de “dano decorrente da conduta antijurídica que deve ser ignóbil e significativo, de modo a atingir valores e interesses coletivos fundamentais”.

Discorre o insigne Ministro que os danos morais coletivos possuam como destinação os interesses difusos e coletivos, e não os individuais homogêneos, cujos titulares são pessoas determinadas.

O insigne Ministro Relator externou que o dano moral coletivo é essencialmente de natureza coletiva típica, diferenciando, também, os danos morais coletivos em relação ao destinatário da verba arbitrado a título de Danos Morais Coletivos.

Discorreu que que em relação aos direitos difusos e coletivos, na forma do art. 81, incisos I e II, do CDC[4], a condenação em danos morais coletivos tem natureza eminentemente sancionatória, com o valor da indenização arbitrado em prol de um fundo criado na forma do art. 13, caput, da Lei 7.34785[5].

Por outro lado, na violação de direitos individuais homogêneos, na forma do art. 81, inciso III, do CDC[6], o destinatário dos danos morais coletivos são as vítimas, em razão disso, a condenação é genérica, na forma do art. 95 do CDC[7], precedida por uma liquidação para fins de complementar a coisa julgada na forma dos artigos 97 a 100 do CDC[8].

Os direitos postulados pelo MPRJ possuíam natureza de individuais homogêneos, passíveis de individualização de seus detentores, como bem asseverou o julgado em apreço.

É noção cediça que direitos individuais homogêneos são divisíveis no momento da liquidação, possuem titulares determinados ou determináveis no momento da execução da liquidação e execução da sentença, conectados por uma origem comum posterior a suposta lesão por estarem ligados por uma situação de fato ou de direito.

No caso em apreço, as supostas vítimas não foram individualizadas, ou mesmo sequer há indícios de quem são já que o MPRJ optou por intentar dano morais coletivos, o que inviabilizaria a devida fase de cumprimento de sentença caso a condenação persistisse.

Como a exposição dos motivos do julgado esclarece o instituto do dano moral coletivo não é cabível para a proteção de direitos individuais homogêneos.

Consoante às lições do i. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no julgamento do REsp: 1.152.541/RS[9], citando as lições do professor Fernando Noronha[10] sobre o princípio da satisfação compensatória como:

“o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um preço”, mas “será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou integridade física”

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O julgado em exame, assim, merece ser interpretado não como um obstáculo a prática de ilícitos civis, mas como norte na tutela de direitos individuais homogêneos, respeito ao direito de ação das supostas vítimas que podem entender que não sofreram ofensa a sua subjetividade, bem como a preservação das empresas no mercado nacional para que não sofram condenações injustas.

Leandro Henrique da Cunha
Advogado na SiqueiraCastro –  Rio de Janeiro.


[1] (STJ – REsp: 1610821 RJ 2014/0019900-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 15/12/2020, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/02/2021)

[2] (STJ – REsp: 636021 RJ 2004/0019494-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 02/10/2008, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 06/03/2009)

[3] (Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. In Revista de Direito do Consumidor. Vol. 12. São Paulo: RT, out–dez, de 1994, p. 55).

[4] Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

[5] Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

[6] Art. 81. (…)

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

[7]  Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.

[8] Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

Parágrafo único. (Vetado).

Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

§ 1° A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

§ 2° É competente para a execução o juízo:

I – da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;

II – da ação condenatória, quando coletiva a execução.

Art. 99. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985 e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.

Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao fundo criado pela Lei n°7.347 de 24 de julho de 1985, ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas.

Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985.

[9] (STJ – REsp: 1152541 RS 2009/0157076-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 13/09/2011, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/09/2011)

[10] Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 569.