No último dia 02, a 6a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que policiais que não possuam mandado judicial, mas julguem necessário entrar em uma residência para investigar a ocorrência de crime, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio a fim de garantir o seu consentimento. Sempre que possível, esta autorização também deve ser registrada por escrito. Consequentemente, foi concedido o Habeas Corpus nº 598051/SP, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, para anular prova obtida durante uma invasão policial não autorizada pelo morador.
O relator do caso, Ministro Rogério Schietti Cruz, afirmou em seu voto que inúmeros julgados da Corte discutem a legitimidade da entrada de policiais na residência de indivíduos sem o seu consentimento e sem autorização judicial. Segundo a linha de pensamento então vigente, caso sejam encontradas drogas no interior da residência, a entrada se justificaria por se tratar de situação de flagrante.
No entanto, o colegiado destacou a necessidade de amadurecimento desse entendimento, principalmente ante o fato de que a maior parte das prisões relativas ao crime de tráfico de entorpecentes não decorre de investigações policiais, mas de prisões em flagrante realizadas no policiamento ostensivo das ruas. Foi destacado no Voto do Ministro Relator que “91% das prisões são realizadas com a entrada dos policiais nas residências sem autorização judicial”.
O relator reforçou que a Constituição estabelece que a inviolabilidade do domicílio é direito fundamental – que pode, contudo, ser relativizado em situações de flagrante delito ou desastre. No entanto, não se trataria de qualquer flagrante, mas sim o que resulta de verdadeira emergência – como nos casos de sequestro, em que há perigo à vida da vítima.
Afirmou, ainda, que “[chega] a ser – para dizer o mínimo – ingenuidade acreditar que uma pessoa abordada por dois ou três policiais militares, armados, nem sempre cordatos na abordagem, livremente concorde, sobretudo de noite ou de madrugada, em franquear àqueles a sua residência”, e que é preciso frear as violações abusivas de lares da população carente.
O Ministro Relator também ponderou que se o próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão em decisão fundamentada, não seria razoável admitir que um agente de polícia tivesse discricionariedade para, a partir de uma avaliação subjetiva, entrar de maneira forçada na residência de alguém para verificar se nela há ou não alguma substância entorpecente.
Portanto, restou decidido que as circunstâncias que antecedem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo objetivo, as fundadas razões que justifiquem o ingresso no domicílio e a eventual prisão em flagrante do suspeito.
Nesta lógica, a Sexta Turma afirmou o precedente e estabeleceu cinco teses:
- Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de justa causa, aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.
- O tráfico de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa, objetiva e concretamente, inferir que a prova do crime será destruída ou ocultada.
- O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
- A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo, e preservada tal prova enquanto durar o processo.
- A violação a essas regras e condições legais/constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal dos agentes públicos que tenham realizado a diligência.
Por fim, o colegiado propôs o prazo de um ano para o aparelhamento dos agentes de polícia, bem como o treinamento dos demais servidores para que tomem as providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude, que possam resultar na responsabilização administrativa dos agentes.
Nesse sentido, foi destacada a existência de corporações policiais no Brasil que já se encontram paramentadas, a exemplo das polícias de São Paulo e de Santa Catarina, que já equiparam seus agentes com câmeras acopladas aos seus uniformes – não só para a salvaguarda da população, mas para a proteção dos próprios agentes.
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Foi determinada, ainda, a comunicação do julgamento aos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, bem como ao ministro da Justiça e Segurança Pública, aos governadores dos estados e do Distrito Federal, e às suas respectivas corporações policiais. Também serão informados o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Nacional de Direitos Humanos.