Antes de tratarmos sobre a penhora de bem de família, importante esclarecer que bem de família é o imóvel residencial, urbano ou rural, próprio do casal ou da entidade familiar e/ou móveis da residência, estes são considerados impenhoráveis por determinação legal. O bem de família é um direito, não se confundindo com a imóvel sobre o qual incide. Podemos subdividir o bem de família em voluntário, previsto no Código Civil, e legal, previsto na Lei nº 8.009/90.
Nesse sentido, cabe destacar que no julgamento do RE nº 1.307.334, que está previsto para ocorrer (o processo acabou não sendo julgado no dia 03.02.2022) no Tribunal Pleno do STF, a controvérsia é especificamente sobre a impenhorabilidade do bem de família pertencente ao fiador de contrato de locação com fins comerciais.
O litígio constitucional descende de decisão da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a penhora de um único bem de família para garantir contrato de locação de imóvel comercial.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral e efetivou o distinguishing entre a tese versada no RE nº 1.307.334 (Tema 1127), objeto do futuro julgamento pelo Plenário do STF, e aquela tratada no RE nº 612.360, de relatoria da Min. Ellen Gracie, Tema 295 da Repercussão Geral , publicado no DJe em 03.09.2010.
O STF retomou o julgamento do RE nº 1.307.334 em 12 de agosto de 2021, estando empatado o placar entre os ministros que votaram pela constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação comercial e aqueles que votaram pela sua inconstitucionalidade.
Para a melhor compreensão da controvérsia, importante lembrar para os efeitos da impenhorabilidade de que trata a Lei nº 8.009/1990, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Na hipótese de o casal ou entidade familiar ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do artigo 70 do Código Civil.
No entanto, o artigo 3º da Lei nº 8.009/90 enumera o rol de exceções para a impenhorabilidade do bem de família, dentre as quais destaca-se o inciso VII, que dispõe:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(…)
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Para os Ministros do STF que entendem que o bem de família de propriedade do fiador do contrato de locação pode ser penhorado, independente da finalidade da locação, seja residencial, seja comercial, que acompanharam o voto do Relator do Recurso Especial, Ministro Alexandre de Moraes, como Ministro Roberto Barroso, Nunes Marques e Dias Toffoli, no art. 3º, inciso VII da Lei nº 8.009/90, o legislador não fez qualquer distinção se a fiança da locação seria residencial ou comercial.
Além disso, os Ministros que consideram que o bem de família de propriedade do fiador do contrato pode ser penhorado, sustentam que o fiador de maneira espontânea e livre, assumiu os eventuais riscos da fiança, o que inclui a penhorabilidade de seus bens. Nesse sentido, o Ministro Barroso destacou, ainda, que, ao mesmo tempo em que a Constituição Federal protege a moradia, também homenageia o princípio da livre iniciativa e da autonomia da vontade. Nessa linha de convicções, o voto do Relator é no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário e propor a seguinte tese (Tema 1.127 da repercussão geral): “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial”.
Por outro lado, os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lucia e Ricardo Lewandowski consideram que o bem de família de propriedade do fiador do contrato de locação comercial é impenhorável defendem que o Estado é obrigado a assegurar medidas adequadas à proteção de um patrimônio mínimo e a imposição de restrições ao direito fundamental da moradia do morador, por meio da penhora do único bem, não se justifica sob o ângulo da proporcionalidade, sendo possível ainda obter o valor devido por outros meios de cobrança, propuseram a seguinte tese: “É impenhorável o bem de família do fiador de contrato de locação não residencial”.
O julgamento foi suspenso em 12.08.2021, com 4 votos para cada tese, e agora foi incluído na sessão virtual do Tribunal Pleno do STF agendada para ocorrer entre os dias 25/02/2022 e 09/03/2022.
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A depender da tese firmada por ocasião do resultado do julgamento do RE nº 1.307.334, poderemos ter um novo cenário nas questões imobiliárias e locatícias, que impactará, como um todo, a forma de realizar negócios imobiliários, na medida em que, caso o Plenário decida pela impenhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação comercial, fixando esta tese, teremos vigente no ordenamento jurídico conclusões distintas para situações similares, mas não idênticas: a penhorabilidade do bem de família no caso do fiador de contrato de locação residencial e a impenhorabilidade do bem de família no caso do fiador de contrato de locação comercial.
Seguimos monitorando o resultado do julgamento do RE nº 1.307.334 pela Suprema Corte.
Daniela Soares Domingues
ddomingues@siqueiracastro.com.br
Sócia Coordenadora do Setor Contencioso Estratégico e Arbitragem
Ana Luiza Taques
anataques@siqueiracastro.com.br
Sócia Coordenadora do Setor Imobiliário
[1] É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, em virtude da compatibilidade da exceção prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/1990 com o direito à moradia consagrado no art. 6° da Constituição Federal, com redação da EC 26/2000.