Para que a desconsideração da personalidade jurídica alcance os administradores não sócios é fundamental a presença de requisitos específicos

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*Andrea Mendes Montano

Nem sempre uma empresa quando é condenada em um processo civil tem condições de arcar com a condenação. Muitas vezes porque realmente está insolvente com suas obrigações e outras tantas porque os sócios/administradores “manobram” patrimônio na tentativa de escapar das execuções dessas sentenças. Os credores dessas empresas precisam direcionar seus esforços, observando as regras processuais e das sociedades executadas, para patrimônios que extrapolam aqueles vinculados exclusivamente às empresas devedoras. De maneira bem simples e rasa, desse tipo de direcionamento processual dos credores, se originou o instituto da desconsideração da personalidade jurídica das empresas.

Muitas são as discussões judiciais acerca do tema, sobre seus limites e interpretações. Este instituto está positivado nos artigos 50 do Código Civil e 28, parágrafo 5, do Código de Defesa do Consumidor.

Recentemente o STJ – Superior Tribunal de Justiça – julgou o REsp 1.860.333. Nesse julgado, decidiu por afastar os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica em relação aos administradores não sócios de uma sociedade empresária reformando, assim, o acordão do Tribunal local.

O colegiado entendeu desta maneira por interpretar ser inviável a interpretação extensiva do artigo 28, parágrafo 5, do Código de Defesa do Consumidor, em razão das especificidades e consequências de sua aplicação com tamanha extensão.

No caso concreto, os recorrentes figuravam como administradores da sociedade empresária do ramo imobiliário, mas não eram sócios dela. Esta estava sendo executada em razão do distrato de uma promessa de compra e venda de imóvel. Nas instancias ordinárias entendeu-se pela extensão dos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica aos administradores da empresa executada, com base na teoria menor segundo a qual poderá ser desconsiderada a personalidade quando ela for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor. Tudo isso sob o fundamento de não terem sido localizados bens da empresa devedora para serem penhorados.

No recurso endereçado ao STJ, os recorrentes requereram a reforma do acórdão de segundo grau, sustentando que a aplicação do dispositivo foi indevida.

O relator do caso foi o Ministro Marco Buzzi. Em seu voto, o ministro destacou que a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica (prevista no artigo 50 do CC e no caput do artigo 28 do CDC) permite sim que os efeitos da desconsideração sejam extensivos aos administradores não sócios, mas para que isso se efetive existem requisitos rígidos, como abuso de direito, excesso de poder, prática de ato ilícito e outras situações.

Ainda no seu voto, o Ministro Marco Buzzi observou, sobre outra ótica, que a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica (parágrafo 5º, do artigo 28 do CDC) é um pouco mais flexível, de modo a ampliar as hipóteses de desconsideração. Segundo explicou, “aplica-se a casos de mero inadimplemento, em que se observe, por exemplo, a ausência de bens de titularidade da pessoa jurídica hábeis a saldar o débito”.

Contudo, ao contrário do que acontece na teoria maior da desconsideração a personalidade jurídica, a teoria menor, prevista no parágrafo 5 do artigo 28 do CDC, não admite expressamente a extensão dos efeitos da desconsideração aos administradores não sócios da sociedade empresária.

Utilizando-se do sistema de precedentes, o ministro destacou em seu voto os entendimentos do REsp 1.862.557 e do REsp 1.658.648, ambos julgados pela terceira turma e que decidiram pela impossibilidade de responsabilização pessoal do administrador que não integra o quadro societário da empresa.

No caso concreto, o entendimento pela reforma do julgado ocorreu em razão da desconsideração da personalidade jurídica extensiva aos administradores ter ocorrido com base exclusivamente no parágrafo 5 do artigo 28 do CDC, ou seja, com base na teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, a fundamentação dos julgados reformados no STJ considerou apenas a ausência de bens penhoráveis da sociedade para determinar a desconsideração. Por essa razão, e por não existir indicação e/ou comprovação da prática de qualquer abuso, excesso e/ou infração, a desconsideração da personalidade jurídica extensiva aos administradores não sócios não deve prosperar já que só poderia se estender aos administrados não sócios se ficasse comprovado o desvio de finalidade na administração da empresa ou na confusão patrimonial.

*Advogada da SiqueiraCastro Rio de Janeiro