A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) foi desenvolvida após a edição do Regulamento Europeu sobre proteção de dados (GDPR), que fora publicada em 2018, e entrou em vigor em agosto de 2020.
Todavia, a Lei nº 14.010/2020 – na forma de Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado durante o período de pandemia (Covid19) – prorrogou a aplicação das penalidades da Lei Geral de Proteção de Dados para agosto de 2021.
A LGPD dispõe sobre o tratamento de dados, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
O artigo 5º, inciso I e II da referida Lei, traz o conceito de dado pessoal e dado sensível, in verbis:
“Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:
I – dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;
II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;” (g.n.)
Alguns princípios, inclusive o da boa fé, devem ser respeitados, nos termos do art. 6º da LGPD, tais como: finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação e responsabilização.
Mas, qual a relação da LGPD com a recuperação de crédito? Quais os efeitos da LGPD na recuperação judicial?
Em que pese os recursos legais e extrajudiciais existentes para salvaguardar o credor, a recuperação de crédito no Brasil é um procedimento longo e demorado, seja pela não efetividade no Judiciário na recuperação, seja pelas tentativas infrutíferas de negociação da dívida ou mesmo pelas proteções patrimoniais que os devedores se utilizam, como por exemplo, o esvaziamento e/ou blindagem patrimonial.
Por esse motivo, muitos advogados, escritórios e empresas se utilizam de um processo investigativo de rastreio e localização de ativos financeiros e patrimônios de devedores, fundamental para viabilizar o processo da recuperação de crédito, e garantir o direito de seus credores.
Neste passo, nota-se que se faz necessário a análise e tratamento de dados do titular que está inadimplente.
O ponto positivo da LGPD reside na proteção ao credor ao autorizar, em seu artigo 7º, o tratamento de dados, desde que vise o exercício regular de direito em processo judicial, administrativo ou arbitral, bem como para a proteção do crédito.
Observa-se ainda que a lei determina, em seu art. 10, que a intenção/interesse dos agentes de tratamento de dados pessoais seja legítimo e seguro, apresentando um rol exemplificativo e penalizando as situações ilícitas.
É sabido que em se tratando de Recuperação Judicial, diversos são os agentes de tratamentos de dados. De um lado, temos o Administrador Judicial, enquanto auxiliar do Juízo na fiscalização das atividades da empresa em recuperação judicial e, de outro, os advogados das Recuperandas, que lidam com informações e dados provenientes da empresa em recuperação judicial, pelos mais variados meios (via processo, investigação patrimonial, whatsapp, e-mail, e outros).
No entanto, é importante destacar que, os agentes não podem se utilizar de tais mecanismos como forma de venda e/ou transferência de dados entre sociedades empresárias ao longo do processo recuperacional.
Inclusive, tais atos, se praticados por credores, devedor e administrador judicial, podem ensejar as penalidades previstas no art. 42, §1°, incisos I e II, da LGPD ainda que de forma solidária, quando em conjunto pelas partes, por se tratar de violação à proteção de dados pessoais do titular, qual seja, a empresa em recuperação judicial.
Logo, considerando que a investigação patrimonial se faz necessária para a recuperação do crédito, que está intrinsecamente relacionada à proteção ao crédito, expressamente tutelada dentro da LGPD, é possível concluir que a lei determina que esta restará válida.
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No entanto, é imperioso que os agentes procedam a uma gestão clara das informações recebidas e no tratamento destas, principalmente, nos casos em que se faz necessário o compartilhamento de dados pessoais provenientes dos processos de recuperação judicial.
Diante disso, a fim de resguardar a proteção de dados de todas as partes, seja da Recuperanda, seja de seus credores, os agentes devem providenciar a sua devida adequação, com a elaboração de políticas de privacidade e de termos de uso. Conclui-se, portanto, que, a Recuperação de Crédito e a Recuperação Judicial, sob a ótica da LGPD, estão devidamente asseguradas aos agentes do mercado, desde que estes se atentem à finalidade, necessidade e adequação da transferência de dados, nos termos do art. 6°, incisos I a III, da LGPD.
Autoras do artigo: Juliana Castro e Mariana Caspary, advogadas na SiqueiraCastro – Rio de Janeiro