Novos avanços na regulamentação de Geração de Energia Elétrica Offshore

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Recentemente, foram publicadas a Portaria Normativa nº 52/GM/MME, que dispõe sobre os procedimentos de cessão de áreas marítimas para a geração de energia elétrica offshore; e a Portaria Interministerial MME/MMA nº 3/2022, que disciplina a criação do Portal Único para Gestão do Uso de Áreas Offshore para Geração de Energia (o chamado “PUG offshore”), visando dar tratamento único às interações com os diferentes órgãos envolvidos no processo de cessão de uso para fins de geração offshore.

Referidos atos normativos são resultado, respectivamente, das Consultas Públicas nº 134 e 135, promovidas com a finalidade de discutir a regulamentação do Decreto nº 10.946/2022, que, por sua vez, lançou as primeiras diretrizes da regulamentação da matéria.

No âmbito da Consulta Pública nº 134/2022, foi apresentada minuta de portaria contendo as normas e procedimentos para a cessão de uso onerosa das áreas para exploração offshore. A minuta de Portaria proposta pelo MME – Ministério de Minas e Energia – nesta Consulta Pública (“Minuta de Portaria”) tratou de temas que vinham sendo discutidos entre os agentes setoriais, porém não esgotou a matéria. Alguns pontos foram deixados para regulamentação posterior pela ANEEL, pela EPE e pelo próprio Ministério, com o que se pode antever que as discussões em torno do assunto ainda não estão concluídas.

Já na Consulta Pública nº 135/2022, foi apresentada minuta de portaria dispondo sobre a criação de um one stop shop denominado Portal Único para Gestão do Uso de Áreas Offshore para Geração de Energia (o chamado “PUG offshore”), para que sejam tratadas em um único ambiente as interações com os diferentes órgãos envolvidos no processo de cessão de uso. A previsão de que será criado um Portal Único foi recebida de forma positiva pelos agentes do setor. O Decreto nº 10.946/2022 previa a solicitação de Declarações de Interferência Prévia, as DIPs, para diversas entidades da Administração direta e indireta, como forma de se certificar que os projetos de geração de energia respeitariam os múltiplos usos do espaço marítimo. O PUG offshore permitirá que as solicitações de DIPs sejam realizadas por meio de um único sistema, reduzindo a complexidade na interação das partes envolvidas. Além disso, a minuta de Portaria submetida à Consulta Pública nº 135/2022 prevê que seja criado um módulo para visualização das áreas já requeridas ou em processo de cessão – o que evita que agentes desenvolvam projetos concorrentes sem que o saibam.

O presente artigo tem por objeto o processo dialético entre o MME e os agentes setoriais e demais entidades interessadas, apontando os principais aspectos abordados nas diversas contribuições apresentadas no âmbito das citadas audiências públicas, e como foram considerados pelo Ministério para a elaboração das portarias.

  1. Necessidade de licitação para a cessão independente e pedidos de cessão anteriores ao Decreto nº 10.946/2022.

A minuta de Portaria do MME previa que mesmo as áreas solicitadas pelo procedimento de cessão independente (quando um interessado solicita o uso de uma área ao MME) deveriam ser objeto de licitação. Esta diretriz não estava explícita no Decreto nº 10.946/2022, que a minuta de portaria submetida à Consulta Pública se propunha a regular. Alguns agentes do setor vinham questionando a necessidade de realização de licitações no caso de cessão independente.

As contribuições de diversos agentes procuraram endereçar este ponto, argumentando que a licitação seria desnecessária no caso de pedidos de cessão independente, ou quando não houvesse outros interessados na área, ou mesmo no caso de pedidos anteriores ao Decreto nº 10.946/2022, ratificados na forma do artigo 20, parágrafo único, do Decreto.

O MME, por seu lado, ponderou que entendia que a cessão de áreas para geração de energia não se enquadrava nas hipóteses de dispensa de licitação previstas em lei. Assim, apoiando-se em dispositivos que mencionavam a necessidade de licitação para cessão de uso de bens da União (como o § 5º do artigo 18 da Lei nº 9.636/1998) e na existência de grande número de projetos em fase de licenciamento ambiental (o que o MME entendia que denotava condições para competição), foi mantida na Portaria Normativa nº 52/2022 a exigência de licitação para cessão de áreas marítimas, em qualquer hipótese.

  • Regulamentações paralelas no Congresso e no MME

O Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV CERI) havia pontuado que a existência de discussões paralelas sobre o assunto no Congresso (com os Projetos de Lei nº 576/2022 e nº 3.655/2021, já aprovados no Senado e encaminhados à Câmara) e no âmbito do MME, com algum grau de semelhança, porém, com distinções significativas, geraria insegurança jurídica no segmento. Assim, a contribuição da entidade sugeria a realização de Consulta Pública que versasse sobre o aprimoramento do Decreto nº 10.946/2022, à luz dos projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, antes mesmo de se avançar com sua regulamentação pelo Ministério.

Em resposta a tais contribuições, o MME defendeu que a regulamentação do tema estava entre as suas competências. Assim, apontou que poderia prosseguir com a emissão de portaria, cabendo ajustes caso a futura legislação traga divergências em relação às normas constantes da Portaria Normativa nº 52/2022.

  • Critério de Maior Retorno Econômico

O Ministério da Economia, por meio de sua Secretaria de Acompanhamento Econômico (“SEAE”), havia sugerido que o artigo 26, § 3º, da minuta de Portaria fosse alterado para retornar a um texto mais próximo daquele do Decreto nº 10.946/2022. Tal artigo havia previsto que, no julgamento de licitações pelos prismas energéticos, o MME adotasse critérios que valorassem os “impactos positivos do empreendimento proposto nos principais setores envolvidos na cadeia, na geração de emprego e renda, ambientais e sociais”, além dos valores ofertados pela área. Conquanto outros agentes setoriais tenham elogiado a adoção de tais critérios, e conquanto a SEAE tenha considerado salutar que não se julgue eventual licitação por maior bonificação pela outorga, a Secretaria argumentou que deveria ser adotado um critério que priorizasse o menor custo ao consumidor.

Não está claro como os preços pagos pela cessão de uso de bem público se traduziriam em menor custo ao consumidor, a não ser que houvesse leilões de fonte específica offshore em conexão com a cessão das áreas (o que não parece ser o caso, mas tem sido uma proposta de determinados agentes do setor – vide abaixo).

Sobre a questão, o MME aduziu que a matéria poderia ser melhor tratada em norma específica a ser lançada posteriormente, nos termos do artigo 26 da Portaria Normativa nº 52/2022 – fazendo alusão as normas que serão editadas para fixação das diretrizes específicas de cada leilão a ser realizado para a cessão de espaços marítimos. Nesse sentido, cumpre acompanhar como o Ministério irá estruturar as futuras licitações, com ou sem a inclusão de critérios de julgamento que detalhem o conceito de maior retorno econômico.

  • Leilões Específicos para Fontes Offshore

Entidades representantes dos consumidores, como a ABRACE ou o IDEC, apresentaram contribuições no sentido de deixar explícito na minuta de Portaria que não haveria obrigação do Governo de realizar leilões específicos para a compra de energia eólica de projetos de geração offshore que firmassem contrato de cessão de uso. O tema dos leilões específicos vem sendo objeto de debate tendo em vista que parte dos agentes do setor entendem que a viabilidade da fonte depende da utilização de leilões regulados de compra e venda de energia elétrica como mecanismo de fomento, enquanto outros agentes se preocupam com o possível impacto negativo desta espécie de contratação nas tarifas pagas pelos consumidores cativos.

O MME acatou essa sugestão, prevendo na Portaria Normativa nº 52/2022 que a assinatura de contratos de cessão de uso não obriga o Poder Público à realização de leilões de compra de energia ou de concessão de linhas de transmissão para escoamento da energia gerada. O Ministério ponderou, neste ponto, que o setor tem se direcionado para um contexto de neutralidade tecnológica, a ser promovida pelo regulador (sem mecanismos de fomento a determinadas fontes), e de menor demanda das distribuidoras em leilões de energia nova, o que tornaria salutar a medida de prever que a cessão de área não precisa vir acompanhada da destinação da energia ao mercado regulado.

  • Participação de Outros Setores e Entidades da Administração

Além da contribuição do Ministério da Economia já mencionada acima, ICMBIO e Ministério da Infraestrutura se manifestaram na Consulta Pública. O ICMBIO apresentou considerações sobre as disposições da minuta de Portaria que se referiam a proteção do meio ambiente e integração com órgãos de controle ambiental – o que o MME entendeu que deveria ser objeto da avaliação do próprio Instituto por ocasião das análises para a emissão de Declarações de Interferência Prévia de sua competência. O Ministério da Infraestrutura, por sua vez, apresentou contribuições no que se refere às infraestruturas portuárias e embarcações necessárias à construção das usinas offshore, as quais foram acatadas e incluídas no texto da Portaria Normativa nº 52/2022.

O processo de regulamentação da cessão de uso de espaços marítimos para a instalação de unidades de geração offshore vem avançando com a participação de diversos interessados e entidades setoriais. A equipe de energia do SiqueiraCastro vem assessorando players do segmento em suas interações com órgãos reguladores envolvidos na estruturação deste novo mercado.

Escrito por: Humberto Negrão e Pedro Schönberger – sócio coordenador e sócio da área de energia da SiqueiraCastro.