Dando continuidade as postagens em homenagem a nossa semana do orgulho LGBTQIA+, o Comitê da Diversidade da SiqueiraCastro abordará um tema que versa sobre uma triste realidade sofrida por todos aqueles que não ajustam aos modelos heteronormativos, mas de relevante discussão para que possamos nos engajar e ser participes na mudança social que se impõe.
Atos de violência contra pessoas LGBTQIA+ têm sido relatados em todas as regiões do planeta. Tais ações ocorrem das mais variadas formas, indo da intimidação psicológica até a agressão física, tortura, sequestros e assassinatos seletivos. A violência sexual também tem sido amplamente divulgada, inclusive a chamada violência “corretiva” ou estupro “punitivo”, sob o pretexto de tentar “curar” suas vítimas da homossexualidade.
Por muitas vezes, a violência homofóbica/transfóbica está relacionada à necessidade de controlar socialmente a forma como os outros vivem sua sexualidade e constroem suas identidades. Trata-se aqui de parâmetros estabelecidos por tradições e, em muitos casos, guiados pelo machismo e pela influência de algumas religiões.
Intitulado e conhecido como “crime de ódio” ou, para ser mais específico, como “crime por preconceito”, em muitos casos, o nível de maltrato, crueldade e repetição está diretamente relacionado ao fato de as vítimas serem percebidas ou se identificarem como integrantes da comunidade LGBTQIA+.
De acordo com o conceito elaborado pela ONG Livres e Iguais – Nações Unidades pela Igualdade LGBT, a violência com base de gênero consiste em “ataques a pessoas por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero sendo muitas vezes impulsionados por um desejo de punir aqueles vistos como desafiadores das normas de gênero e são considerados uma forma de violência de gênero. Você não precisa ser lésbica, gay, bissexual, transgênero ou intersexual para ser atacado: a mera percepção de homossexualidade ou de identidade transgênero é suficiente para colocar as pessoas em risco”.
Não há dúvidas de que os que mais sofrem com a violência são aqueles que, além de se identificarem como LGBTQIA+, encontram-se em situação de vulnerabilidade por outros fatores, como a pobreza, a origem étnica, a falta de acesso à educação ou necessidades especiais.
Diante da incontestável relevância do tema, inclusive incluindo-o como um sério problema de saúde e segurança pública, algumas medidas políticas vêm sendo tomada na tentativa de contingenciamento dos casos de violência contra pessoas LGBTQIA+.
Disque 100
Um exemplo de medidas tomadas pelo Estado foi a criação do Disque 100, um canal de denúncia elaborado pelo então Ministério dos Direitos Humanos (MDH), sendo este um instrumento oficial. Suas informações que podem impulsionar a ampliação e criação de novas políticas públicas e programas para o enfrentamento ao preconceito e à discriminação contra a comunidade LGBTQIA+.
Segundo dados atuais fornecidos pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, os registros realizados através do Disque 100 apuram como a maior parte das denúncias os casos de: violência psicológica (ameaça, humilhação, entre outras), seguidos por crimes de discriminação (por gênero, orientação sexual etc) e violência física (homicídio, lesão corporal, entre outros).
No que tange aos tipos de violência denunciadas pelo canal Disque 100, a categoria violência física desperta especial atenção devido a sua gravidade e eminente risco de morte aos vitimados. Nesta direção, a ONG Grupo Gay da Bahia (GGB) atua no mapeamento de homicídios contra a população LGBTQIA+, indicando que, entre 2017 e 2019, a cada 19 horas uma pessoa LGBTQIA+ foi morta no Brasil em decorrência da sua orientação sexual ou identidade de gênero.
É importante destacar que os estados tem o dever de tutela, positivados pelo direito internacional, devendo proteção aos integrantes da comunidade LGBTQIA+ e a obrigação de assegurar-lhes direitos fundamentais, em especial à vida, à segurança pessoal e à liberdade contra a tortura e os maus-tratos. Os estados têm a responsabilidade de tomar medidas para impedir crimes motivados pelo ódio, ataques violentos e tortura, investigar tais crimes com rapidez e levar os responsáveis à justiça.
Criminalização da LGBTfobia
Em observância ao dever de guarda internacionalmente previsto, em junho/2019 o Supremo Tribunal Federal aprovou a criminalização da LGBTfobia, sendo caracterizada por todo tipo de repulsa, preconceito, cerceamento de direitos e atos violentos contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros ou travestis. Discriminar uma pessoa por sua orientação sexual e de gênero hoje é um crime inafiançável, imprescritível e que pode ser punido com multa ou até cinco anos de prisão, de acordo com a lei 7716/89.
A criminalização da LGBTfobia é observada como um grande avanço social, pois apenas após a tipificação de tal crime é possível extrair dados efetivos a respeito do número de ocorrências em que são vitimados os integrantes da categoria da LGBTIQ+.
Dados oficiais
Após a criminalização da LGBTfobia, em setembro/2019 foi publicado levantamento do 13° anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, considerado o primeiro levantamento nacional de dados oficiais de segurança pública sobre violência LGBTfóbica. Os dados apresentados foram conseguidos através de Secretarias de Estado de Segurança Pública e/ou Defesa Social, Polícias Civis e Instituto de Segurança Pública/RJ.
Para o levantamento elaborado e divulgado pelo 13º anuário, foram contabilizados casos de lesão corporal dolosa, homicídio doloso e estupro. Entre os 27 estados, Pernambuco é a que aparece com maior número de registros de crimes contra a população LGBTQIA+, alcançando um total de 326. A Bahia aparece em segunda lugar, com 194 casos no ano de 2018.
De acordo com os dados extraídos do anuário, há uma invisibilidade da violência contra população LGBTQIA+ no Brasil, inclusive porque 11 unidades federativas não responderam ao pedido com informações para o mapeamento da violência da classe. Foram elas: Acre, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Roraima. Essa invisibilidade também é evidenciada pelo fato de que, das 27 unidades federativas, apenas 10 estados apresentaram os dados referentes aos homicídios dolosos contra população a LGBTQIA+ em seus territórios.
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De acordo com o documento, a visibilidade da causa e entendimento de que se trata de um problema de segurança pública são preponderantes para mapeamento e diminuição da criminalidade contra os integrantes da categoria LGBTQIA+. Neste sentido afirma que: “Faz-se necessário monitorar de forma geolocalizada tais crimes, desenvolver políticas preventivas e de inteligência, bem como políticas de promoção de acesso a direitos e oportunidades para população LGBTQIA+, inclusive seu direito a usufruir, participar e navegar em suas cidades”.
Por fim, deixo uma importante reflexão sobre o tema: a pouca disponibilidade de dados públicos sobre a violência homofóbica/transfobica como sendo um dos principais entraves para efetiva resolução do grave problema a respeito da violência sofrida pelos integrantes da comunidade LGBTQIA+. Isto porque, na ausência da grande visibilidade que a temática requer, implica no enfraquecimento da pauta nos debates governamentais, o que acaba por desacelerar avanços não só por parte de instituições públicas, como na própria mobilização social para coibir casos de preconceito e discriminação.
Artigo escrito pela advogada Mariana Campelo Faria Brandão.
FONTES
https://www.goethe.de/ins/br/pt/kul/fok/vio/20824652.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Viol%C3%AAncia_contra_pessoas_LGBT