Na carona da 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP27), ganham papel cada vez mais central os temas da sustentabilidade e dos investimentos em ESG. No caso do setor elétrico brasileiro, o momento é de transição. Atualmente, pode-se observar o efeito do encerramento de duas ferramentas de fomento às energias renováveis, que virão a ser substituídas.
No caso da geração centralizada, as energias renováveis eram fomentadas através dos descontos nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição – os chamados “descontos de fio”. No entanto, a Lei nº 14.120/2021 determinou um período de transição para o fim de tais descontos, após o que deveriam ser criados novos mecanismos de consideração dos benefícios ambientais de projetos renováveis no setor elétrico. Em decorrência disso, ocorreu um grande aumento no número de pedidos de outorga apresentados à ANEEL, dado o interesse de empreendedores em se enquadrar no período de transição determinado pela Lei nº 14.120/2021. Essa “corrida por outorgas” vem pautando inúmeros debates nos órgãos de regulação do setor.
Porém, em paralelo a esta transição, o Ministério de Minas e Energia (MME) iniciou a criação dos novos mecanismos que irão substituir os descontos de fio. Conforme a proposta apresentada para a sociedade por meio da Consulta Pública nº 118/2021, realizada no início deste ano, o MME trabalha na criação de um mercado de créditos de carbono no setor elétrico em substituição aos descontos de fio.
Uma proposta similar foi introduzida pela Lei nº 14.300/2022, referente ao segmento de micro e minigeração distribuída – GD. A energia gerada pelos empreendimentos de GD, antes da referida Lei, era compensada pelo preço em que a distribuidora vendia a energia aos seus consumidores. Alguns agentes do segmento de distribuição argumentavam, contudo, que esta compensação seria indevida pois o preço da distribuidora incluiria outros componentes além do valor da energia, como a remuneração dos custos do uso das redes de transmissão e distribuição, que, ao contrário do que argumentam os entusiastas da micro e minigeração, são elevados pela GD. Os agentes do segmento de GD, por outro lado, argumentavam que a compensação apenas do valor da energia (o seu preço “no atacado”) deixaria de reconhecer importantes externalidades positivas trazidas pela geração renovável e próxima à carga.
Em resposta, a Lei nº 14.300/2022 criou um regime de transição para as novas regras (à semelhança da Lei nº 14.120/2021) e determinou que fosse calculado um fator a ser adicionado ao valor da energia compensada pelas instalações de GD, quando terminado o regime de transição. À semelhança do que ocorreu com a geração centralizada, também ocorreu uma “corrida” para a instalação de projetos de GD que fizessem jus às regras de transição – gerando debates sobre, por exemplo, a possibilidade e os limites aceitáveis para a subdivisão de centrais geradoras para fins de enquadramento em GD, o que, todavia, é restringido pela regulação.
Em paralelo a isso, por meio da Consulta Pública nº 129/2022, o MME apresentou proposta conceitual para o cálculo dos referidos benefícios trazidos pelas instalações de GD. Com efeito, há diversas metodologias para o cálculo dos benefícios da geração distribuída – tema que, na literatura internacional, costuma ser tratado sob o nome de “value of solar”, dada a preponderância de geração solar nessas fontes. O MME, em suas discussões sobre o tema, tem sinalizado que a análise iria se restringir a aspectos diretamente relacionados ao sistema elétrico, e que buscaria evitar a complexificação demasiada da lista de benefícios. Assim, elementos como os efeitos da GD sobre as perdas de energia ou encargos setoriais seriam priorizados, em detrimento, por exemplo, de externalidades ambientais ou de atividade econômica.
O contexto atual é de discussões de desenho de mercado e precificação de externalidades trazidas por diferentes soluções tecnológicas. Tais discussões têm potencial para alterar de forma sensível a taxa de retorno de projetos de geração de energia renovável (bem como a sua atratividade vis-à-vis outras fontes de geração). Parte da literatura, inclusive, vem apontando os impactos da regulação sobre a distribuição na adoção de diferentes tecnologias de geração de energia[1].
[1] WERLANG, A.; CUNHA, G.; Bastos, J.; SERRA, J.; BARBOSA, B.; BARROSO, L. Reliability Metrics for Generation Planning and the Role of Regulation in the Energy Transition: Case Studies of Brazil and Mexico. Energies 2021, 14, 7428. Disponível em: https:// doi.org/10.3390/en14217428