Diretores da ANEEL se manifestam sobre a “corrida” pelas outorgas de empreendimentos renováveis com desconto no fio

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Desde a edição da Medida Provisória nº 998, em 01.09.2020, convertida na Lei 14.120/2021, iniciou-se uma verdadeira “corrida” para a obtenção de autorizações para a implantação de centrais de geração de energia elétrica de fontes incentivadas, na busca por garantir o desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição (Tust/Tusd). Isto porque, com essa alteração legislativa, foram estabelecidos limites temporais para a fruição desse benefício, exigindo que os agentes interessados solicitem outorgas até 02/03/2022 e que iniciem a operação comercial de todas as respectivas unidades geradoras em até 48 meses a partir da data da outorga.

Nesse cenário, ao julgar um pedido de alteração de cronograma na 4ª reunião de Diretoria, ocorrida em 08/02/2022, os Diretores da ANEEL manifestaram preocupação com o atual cenário, registrando que, em razão desse contexto, a Agência já analisou, aproximadamente, 1.400 pedidos de novas outorgas e que ainda existem outros 1.500 pedidos esperando para serem analisados.

Os Diretores afirmaram que esses quase 3 mil pedidos de novas outorgas somam uma capacidade de geração equivalente a 180 GW, que se aproxima da capacidade instalada total hoje existente no Brasil, o que, segundo eles, “não tem a menor razoabilidade”.

Sobre a questão do direito ao desconto, o Diretor Geral afirmou que, em sua visão, o “mercado entende a legislação de maneira incorreta. O desconto no fio, dentro daquele prazo que está estabelecido na Lei, é para as usinas que entrarem em operação naquele prazo. A final de contas, em nenhum momento o legislador quis salvaguardar um universo infinito de usinas com desconto no fio. (…) o que a gente observa é uma pseudo expectativa que se eu tiver outorga eu tenho desconto”.

Concordando com esse posicionamento do Diretor Geral, o Diretor Efrain Cruz também se manifestou afirmando que “se a gente achar que 180 Gigas podem ter desconto no fio, a gente estaria perenizando o desconto, pelo menos, pelos próximos 50 anos, o que não era o que a lei queria”, classificando como “verdadeira desculpa” eventual alegação futura de algum agente de que não iniciou a operação comercial do empreendimento no prazo por não ter conseguido se conectar na rede.

As declarações dos Diretores prenunciam um futuro embate no setor elétrico, qual seja, a discussão sobre o direito ao desconto dos agentes que, apesar de terem obtido a outorga no prazo previsto em Lei, terem implantado seus empreendimentos também com observância do prazo aplicável, não puderem atender ao prazo de início da operação comercial em razão da não haver disponibilidade de conexão.

Sobre o tema, cumpre ponderar que o legislador não apenas estabeleceu os destacados cortes temporais para que os agentes usufruam do desconto, gerando a atual “corrida” para garantia do benefício, como também, em dezembro de 2021, por meio do Decreto nº 10.893/2021, promoveu uma alteração excepcional do processo de obtenção de outorga de empreendimentos de fonte incentivada, afastando, até 02/03/2022, a necessidade de apresentar a “informação de acesso”.

No mesmo contexto, o Decreto previu ainda a possibilidade da ANEEL promover, procedimentos competitivos para a “contratação de margem de escoamento para acesso ao Sistema Interligado Nacional”.

Assim, caso um agente do mercado livre obtenha a outorga com direito ao desconto no fio, implante seu empreendimento tempestivamente, mas não atenda ao prazo de início da operação comercial por não conseguir o respectivo acesso à rede, eventual discussão – administrativa e/ou judicial – sobre a manutenção do seu direito deverá considerar não apenas o conceito de excludente de responsabilidade, incluindo seu respectivo fundamento no Código Civil e na legislação setorial específica, mas também as aludidas medidas tomadas pelo legislador no processo de concessão desse benefício. Sobre as diversas sinalizações dadas pelo legislador e pelo órgão regulador nessa temática, bem como sobre diferentes questões a serem consideradas pelos investidores, recomendamos a leitura do artigo A ‘corrida pelos potes de ouro’ do setor elétrico, publicado pela equipe de Energia da SiqueiraCastro na coluna Broadcast Energia da Agência Estado.

Artigo escrito por David Waltenberg e Humberto Negrão, da nossa área de Energia.