Em 2017, a partir do julgamento do recurso especial repetitivo n.º 1.480.881/PI que resultou na formulação do enunciado da Súmula 593, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que, nos casos em que há conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos, o crime de estupro de vulnerável é presumido independentemente da existência de consentimento da vítima ou de relacionamento amoroso entre as partes. No entanto, em um julgamento realizado em 16 de maio de 2023, a Sexta Turma, por maioria, abriu uma exceção a essa regra, reconhecendo que o caso em questão permitia uma flexibilização desse entendimento.
No caso concreto, o réu e a vítima tinham, respectivamente, 12 e 19 anos, mantinham um relacionamento amoroso e tiveram um filho juntos em 2020. Embora os pais da menina aprovassem o relacionamento, o inquérito policial foi instaurado a partir de comunicação de ocorrência pelo hospital onde ocorreu o parto. Em primeira instância, a denúncia foi rejeitada, o que motivou a interposição de recurso em sentido estrito pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul. O Tribunal de Justiça reverteu a rejeição por acórdão que optou por seguir a tendência jurisprudencial pátria apesar de discordâncias pessoais com o entendimento majoritário do STJ sobre o tema.
Em sede do recurso especial interposto pelo réu, o STJ decidiu aplicar entendimento diferente em relação ao acórdão paradigma (distinguishing). Isso primeiramente porque, no acórdão paradigma, a diferença de idade das partes era muito superior à diferença do caso analisado. Além disso, foi aplicada a teoria quadripartida, que considera que o crime não se constitui apenas pelas dimensões da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, mas também pela dimensão da punibilidade concreta, ou seja, pela possibilidade jurídica de aplicação da pena com base na avaliação do comportamento do agente.
Com base nesse raciocínio, o STJ levou em consideração o consentimento da vítima, o nascimento do filho das partes e as condições particulares do acusado para afirmar que não houve afetação relevante do bem jurídico que justificasse a aplicação da lei penal. Não bastasse, a condenação do acusado poderia levar à sua estigmatização como estuprador e ao desmantelamento da entidade familiar, colocando em risco a vítima e o filho, que ficariam sem o suporte material e emocional do pai. Votaram nesse sentido o Relator, Desembargador Convocado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) Olindo Menezes e os ministros Sebastião Reis Junior e Antonio Saldanha Palheiro.
O Min. Rogerio Schietti abriu divergência, depois acompanhado pela Min. Laurita Vaz, votando pela negativa de seguimento do REsp por ser contrário à jurisprudência consolidada do STJ. Esse entendimento é tão incontroverso que motivou a inclusão do § 5º no art. 217-A do Código Penal, que determina que as penas referentes ao crime de estupro de vulnerável se aplicam independentemente do consentimento da vítima.
Ainda, segundo o ministro, as afirmações de que a vítima não foi iludida, que tinha condições de consentir com os atos sexuais praticados e de que o pai seria essencial para o suporte financeiro e psicológico da família não foram judicialmente comprovadas, sendo apenas opiniões do juízo de primeira instância, insuficientes para justificar o afastamento da presunção. Também entendeu que o fato de a diferença de idade entre as partes não ser tão extrema como a de outros casos análogos é insuficiente para garantir que a vítima tinha condições de consentir.
REsp n.º 1.977.165/MS
Fonte: STJ