Decisões da ANEEL sobre constrained-off de usinas solares

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I – Introdução

O setor elétrico acompanhou com expectativa o desfecho da análise de pedidos de ressarcimento decorrentes de situações de restrição de operação por constrained-off de Centrais Geradoras Fotovoltaicas – UFVs, no Ambiente de Contratação Regulada – ACR e no Ambiente de Contratação Livre – ACL. Ao todo, foram 136 requerimentos apresentados à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL com essa finalidade, entre janeiro de 2019 e janeiro de 2021, os quais foram agrupados para deliberação em conjunto.

Em linhas gerais, constrained-off consiste em ordens de restrição (interrupção ou redução) de geração dadas ao agente pelo Operador Nacional do Sistema – ONS, em momentos nos quais o sistema de transmissão não é capaz de escoar a totalidade da energia produzida em uma dada região. Recentemente, a ANEEL publicou duas decisões importantes sobre o tema: os Despachos nº 1.407/2022 e nº 1.668/2022.

Em síntese, os agentes alegavam que o direito de ressarcimento por constrained-off aos geradores solares fotovoltaicos era assegurado pelo disposto no art. 1º, inciso VII, da Lei nº 10.848/2004 – que prevê a necessidade de tratamento das restrições operativas, sem fazer ressalva quanto à fonte –, combinado com a Resolução Normativa ANEEL nº 755/2016 – que aprovou as regras de comercialização com vigência a partir de janeiro de 2017 –, as quais incluíram acrônimos para o cálculo dos ressarcimentos no contexto das apurações de geração relativas a contratos regulados. De acordo com os postulantes, não por acaso os citados acrônimos foram incluídos a partir de 2017, ano em estava prevista a entrada em operação comercial das primeiras UFVs vendedoras em leilões, de forma que negar sua aplicação seria tornar inúteis as mencionadas regras.

A análise técnica promovida pela Superintendência de Regulação dos Serviços de Geração da ANEEL – SRG/ANEEL concluiu que não havia fundamento normativo para sustentar o deferimento dos pleitos, na medida em que a previsão legal invocada pelos agentes teria sua aplicação condicionada à edição de regulamento pelo Poder Executivo ou pela ANEEL, e que a inserção dos acrônimos nas regras de comercialização se deu para atender, “preventivamente”, a eventuais cláusulas contratuais dos CCEARs e CERs que viessem a exigir cálculos de montantes de energia não fornecida, ou seja, não poderiam servir de fundamento regulatório para o reconhecimento do direito à compensação por constrained-off.

Todavia, por meio do Despacho nº 1.407/2022, a ANEEL analisou um pedido de ressarcimento por constrained-off formulado por usinas solares e determinou que o ressarcimento seria possível apenas para os contratos do Ambiente de Contratação Regulada – ACR, sinalizando que os precedentes da Agência sobre usinas eólicas seriam aplicáveis apenas às usinas solares contratadas nesse Ambiente.

A decisão valeu-se de elementos contidos na regulamentação específica para o tratamento de constrained-off de usinas eólicas, consubstanciada na Resolução Normativa ANEEL nº 927/2021 (“REN 927/2021”). Com efeito, muito embora as discussões sobre constrained-off de usinas solares tenham se iniciado anteriormente à recém editada regulamentação da matéria para o segmento das eólicas, o disposto na da REN 927/2021 e seus posteriores desdobramentos influenciaram as posições da ANEEL no caso das usinas solares.

II – O que foi decidido no caso das usinas eólicas

Em síntese, a REN 927/2021 determinou tratamento distinto para os casos anteriores e posteriores à vigência da norma (que se iniciou em outubro de 2021), a depender do ambiente de comercialização. A seguir apresenta-se resumo das regras e decisões da ANEEL.

Eventos envolvendo usinas no ACR, ocorridos antes da vigência da REN: serão ressarcidos conforme regra específica, aprovada pelo Despacho nº 3.080/2021, apenas quando já havia sido protocolado pedido de ressarcimento antes da edição da REN 927/2021.

Eventos envolvendo usinas no ACR, ocorridos após a vigência da REN: serão ressarcidos pela conforme normas REN 927/2021, cujo detalhamento por meio de regras de comercialização está atualmente em discussão na Consulta Pública nº 022/2022.

Eventos envolvendo usinas no ACL, ocorridos antes da vigência da REN 927/2021: não há ressarcimento em qualquer caso, conforme decidido pela ANEEL no Despacho 1.095/2021.

Eventos envolvendo usinas no ACL, ocorridos após a vigência da REN: serão ressarcidos conforme normas da REN 927/2021, cujo detalhamento por meio de regras de comercialização está atualmente em discussão na Consulta Pública nº 022/2022.

Os principais aspectos da REN 927/2021 são:

O ressarcimento será coberto por Encargos de Serviço do Sistema – ESS
Só serão considerados eventos decorrentes de indisponibilidade externa
Cabe ao ONS classificar as causas dos eventos
Apenas a partir da 79ª hora de restrição (até esse limite: risco do empreendedor) haverá ressarcimento
Restrições já mencionadas no parecer de acesso não serão ressarcidas

III – Decisão da ANEEL para as usinas solares

Com relação às usinas solares, a ANEEL reconheceu apenas a possibilidade de ressarcimento de eventos ocorridos nas usinas que comercializaram energia no ACR. Neste caso, o reconhecimento do constrained-off será considerado na apuração dos resultados de entrega das usinas, no âmbito dos respectivos CCEAR ou CER, porém limitado à quantidade necessária para tornar nulos eventuais ressarcimentos devidos pelo gerador por desvios negativos de geração.

Usina Solar

A metodologia de cálculo desses ressarcimentos foi aprovada por meio do Despacho nº 1.668/2022. Em resumo, consiste em multiplicar (a) a potência instalada da UFV; (b) pela proporção de garantia física negociada no ACR; e (c) pelo período da restrição. O resultado dessa multiplicação é, então, subtraído de eventual geração da UFV no período. Os montantes de ressarcimentos são limitados ao ressarcimento contratualmente previsto por insuficiência de geração.

Os ressarcimentos feitos por meio dessa sistemática provisória serão revisados quando da edição da metodologia definitiva, a qual já foi inserida na pauta da Agenda Regulatória da ANEEL para o Biênio 2022-2023. Por força dessas circunstâncias, a SRG buscou elaborar metodologia que minimizasse os riscos de questionamentos futuros, bem como evitasse a introdução de complexidades desnecessárias em uma medida de vigência temporária.

Já para as usinas que comercializaram energia no ACL, a ANEEL entendeu – seguindo recomendação da Procuradoria Federal – que não havia previsão regulatória suficiente para que eventos que as atingissem fossem ressarcidos por meio de Encargos de Serviços de Sistema – ESS. Assim, determinou-se que não haveria ressarcimento por eventos de constrained-off para elas até que fosse editada norma específica sobre o tema – o que indica, na esteira do que ocorreu com as usinas eólicas, que os eventos atuais de constrained-off, que ocorram antes da vigência de eventual nova norma, não serão ressarcidos.

A elaboração de norma sobre o tema também foi incluída na Agenda Regulatória da ANEEL, mas até o momento não há consulta pública sobre o tema.

IV – O que isso sinaliza para agentes de geração

As recentes decisões da ANEEL sobre o constrained-off de usinas eólicas e solares cristalizam um entendimento da Agência de que parte dos riscos de escoamento da geração deve ser suportada pelos próprios agentes. É importante que este ponto seja levado em conta na precificação da energia a ser vendida e também nas negociações de PPAs – tanto por vendedores, como por compradores.

Instrumentos como derivativos de energia poderão ser utilizados para mitigar os impactos financeiros de restrições temporárias de conexão, caso seu perfil horário seja razoavelmente previsível. A auditoria de projetos por compradores (seja no contexto de uma negociação de energia ou de um processo de M&A) também permite antever eventuais restrições antecipadas nos respectivos pareceres de acesso de cada projeto, o que deve ser considerado nas correspondentes avaliações e tratativas.