Se você está assistindo ou ao menos acompanhando as notícias sobre às Olimpíadas de Tokio 2020, deve ter reparado como é difícil ver rostos não brancos em meio aos atletas de esportes aquáticos.
Fato é que superficialmente ou de forma mais profunda, as modalidades não têm se mostrado inclusiva e democrática ao longo da história. Os números escancaram essa desigualdade.
No Brasil, nem 6% dos atletas que já representaram o país em Olimpíadas, em 100 anos, desde a primeira participação em Antuérpia 1920, eram negros. Isso dá um total de 10 nadadores, 10 exceções. Sem contar que, segundo dados levantados pelo IBGE, feito no primeiro trimestre de 2020, a população negra no Brasil é maioria, representa 56,4 %, quase 119 milhões de pessoas.
Já parou para pensar o porquê de não termos mais negros nas piscinas olímpicas? Não só do Brasil, mas no mundo?
Racismo em forma de “desinformação”
Não é de hoje que as Fake News são sementes lançadas ao vento para propagar a desinformação que fomentam o ódio e o preconceito. Ao longo dos anos esta forma de racismo nada velado de mitos criados para segregar. “Negros não flutuam”, “Nadadores negros não vencem porque têm ossos mais pesados”.
Foram décadas e décadas de professores e a própria sociedade repetindo para os negros que eles não podem nadar, que este não é um esporte para eles, e com esses mitos diminuíram o interesse destruindo o sonho de vários atletas.
Acontece que dizer que negros têm características fisiológicas que desprivilegiam o autorendimento na natação é mentira. Um estudo realizado pelo departamento de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP) analisou características físicas de todos os recordistas mundiais dos 100 metros livres, e os comparou aos padrões corporais de pessoas negras e brancas. E o resultado foi libertador.
Na média, a população negra tem densidade corporal, que é a relação entre peso e volume do corpo humano, superior à população branca. Em apenas 1%, mas tem. Porém isso não determina o sucesso numa prova de natação.
A natação é uma modalidade extremamente dinâmica, que envolve movimentos complexos, movimentos de trabalho submerso, então a capacidade de flutuação não é um fator determinante para o sucesso.
A raiz do problema
Essas Fake News não foram deflagradas pelas redes sociais, tampouco surgiram agora, no século 21. O preconceito racial que impede o acesso de negros à locais públicos é antigo.
Nos Estados Unidos, durante o período da segregação racial, as piscinas eram locais proibidos para negros, que tinham seus próprios espaços de banho. Eles não podiam se misturar com os brancos.
Em 1964, mais precisamente no dia 18 de junho, ativistas brancos e negros invadiram o Hotel Monson, após Martin Luther King ter sido preso por frequentar um restaurante que não permitia a presença de pessoas pretas. Como forma de protesto, os manifestantes pularam na piscina, mais um local exclusivo para pessoas brancas. Ao perceber ao que estava acontecendo, Jimmy Brock, o dono do hotel, jogou ácido clorídrico nos ativistas.
Acontece que a segregação racial não foi um evento histórico exclusivo dos Estados Unidos. Para ter ideia do desafio dos negros ao acesso as piscinas, até o fim da década de 1950, negros sequer tinham o direito de entrar em clubes no Brasil. Eram barrados na porta. E sem acesso à piscina, o que fazer? Como nadar? De que forma criar empatia com o meio?
Ainda hoje fatos assim infelizmente acontecem. Em 2012, por exemplo, uma moradora de Cincinnati colocou uma placa na piscina do prédio dizendo que ela era exclusiva para pessoas brancas, pasmem! Jamie Hein tentou justificar a atrocidade dizendo que uma criança negra nadava no local e poluía a água com seus produtos de cabelo, deixando a água turva. Ou seja, o cabelo da garotinha foi taxado de “sujo” apenas por ser afro
Por falar em cabelo, talvez você nunca tenha se dado conta, mas as toucas de natação são projetadas para brancos, e esse é mais um obstáculo que os nadadores negros precisam enfrentar, cujas raízes também brotam no racismo internalizado.
Em 2017, foi criada uma touca de natação chamada Soul Cap, que acomoda melhor cabelos afro, com tranças e black power. Porém, apesar de ser feita de silicone, como a maioria dos acessórios já existentes, ela foi banida das olimpíadas de Tokio 2020 pela FINA (Federação Internacional de Natação). A explicação dada foi a de que “a touca é inadequada” porque não segue “a forma natural da cabeça”.
Mais uma vez, a falta de representatividade resultou numa incultura coletiva daqueles que estão confortáveis dentro de suas bolhas. A proibição da Soul Cap é bastante simbólica, pois evidencia mais uma situação em que os negros precisam se adequar a um sistema segregacionista, como se eles fossem errados ou “inadequados” – e não o contrário.
Heróis negros que venceram o preconceito
Mesmo enfrentando todos estes reveses, são poucos os heróis negros que lutaram e ainda lutam contra o preconceito nas piscinas se fazem presentes na história das olimpíadas. Os atletas negros da história olímpica dos esportes aquáticos não alcançam nem 10% do total.
Por esta razão, nunca será demais lembrar dos atletas que venceram não só os adversários, mas também quebraram tabus mostrando para a Federação Olímpica e para toda a sociedade que os negros têm, e muito, potencial para competir como atletas de alto rendimento dentro e fora das piscinas.
A primeira medalhista olímpica negra foi a nadadora Enith Brigitha, que nasceu em Curaçao, ilha caribenha que pertence à Holanda, em 1955.
Enith, participou das olimpíadas de 1972 em Munique, se classificando para disputar todas as finais, mas ainda não foi desta vez. Somente em 1976, 80 anos após o início dos jogos olímpicos, a Heroína Enith Brigitha subiu ao pódio para conquistar as medalhas de bronze nos 100m e nos 200m livres.
Já a vaga de primeiro campeão olímpico negro, que quebrou 92 anos de supremacia branca na natação, fica com Anthony Nesty. Nascido em Trinidad & Tobago, mas competindo pelo Suriname, o nadador levou para casa a medalha de ouro nos 100 m borboleta dos Jogos Olímpicos de Seul-1988, superando o favorito americano Matt Biondi por apenas um centésimo.
Os feitos de Nesty não se restringiram aos Jogos Olímpicos de Seul-1988. Três anos depois, ele foi campeão mundial ao derrotar de novo Matt Biondi nos 100 m borboleta. Para completar, o nadador surinamês ainda foi bronze na Olimpíada de Barcelona-1992.
Pelo Brasil, temos como Herói, nadador negro e medalhista olímpico, o baiano soteropolitano, “Bala”! Edvaldo Valério subiu no pódio olímpico de Sidney em 16 de setembro de 2000 para colocar a medalha de bronze no peito, na modalidade revezamento 4×100.
Pasmem, em quase 150 anos de Jogos Olímpicos Edvaldo é o único nadador negro a ganhar uma medalha.
Em 2016, nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, após 120 anos desde a primeira edição dos Jogos, uma nadadora negra e ativista, conseguiu subir no lugar mais alto do pódio, Simone Manuel, uma americana nascida no Texas em agosto de 1996.
Conforme as palavras da própria nadadora ‘Isso é por todas as crianças negras que foram expulsas de piscinas e por todas a piscinas que foram esvaziadas depois que crianças negras entraram na água.”
E é para afastar de uma vez por todas o preconceito das raias olímpicas que a discussão sobre diversidade e inclusão são tão importantes e precisam ser levantadas incansavelmente, pois somente levando conhecimento à população, denunciando práticas racistas, homofóbicas e afins, conseguiremos atingir uma sociedade mais justa e igualitária.
Vejam algumas ongs que estão levando a natação como uma forma de resgate e educação para algumas comunidades carentes: https://www.institutocesarcielo.com.br/#latest_news-1 e https://joannamaranhao.com.br/projetos/