A necessária atuação do poder judiciário diante das investidas dos estados brasileiros em face das operadoras de telefonia e internet

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O Supremo Tribunal Federal incluiu, na pauta de julgamento desta quinta-feira (24/02), a apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5399, referente à análise da inconstitucionalidade da Lei nº 15.854/2015 do Estado de São Paulo que previu a obrigatoriedade de os fornecedores de serviços prestados de forma contínua estenderem o benefício de novas promoções aos clientes preexistentes, criando obrigação desproporcional que se descumprida acarretará a imposição de multa e de cassação da inscrição estadual de concessionárias e operadoras no setor de telecomunicações.

Nesse contexto, a Associação das Operadoras de Celulares (ACEL) ingressou com a referida ADI para questionar a referida norma estadual, destacando a violação frontal ao art. 22, IV da Constituição da República Federativa do Brasil (norma que reserva à União Federal a exclusividade para legislar sobre telecomunicações), afronta ao princípio da isonomia no tocante ao tratamento uniforme imposto aos novos e antigos consumidores (caput do art. 5º) e ofensa à livre iniciativa (art. 170 da CRFB/88) pois interfere indevidamente na liberdade de preços e na atuação das operadoras associadas, prejudicando a eficiência e a qualidade dos serviços concedidos pela União Federal.

Como se não bastasse, há flagrante violação à competência regulatória da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), uma vez que o art. 46 da Resolução nº 632/2014, ao tratar dos direitos dos consumidores e usuários desse segmento regulado, determina que as operadoras são obrigadas a disponibilizar aos seus usuários todas as ofertas que forem lançadas, cabendo aos antigos clientes verificar as vantagens e as desvantagens antes de solicitar a alteração do plano contratado. Em contraponto, o art. 2º da lei paulista impugnada prevê a extensão automática do benefício das novas promoções aos antigos clientes, independentemente de pedido feito pelo consumidor nesse sentido.

É importante, ainda, destacar que a Lei estadual nº 15.854/2015 interfere diretamente na saúde financeiras das atuais operadoras, impedindo a realização, por exemplo, de promoções e ofertas, importantes ferramentas utilizadas para aumentar ou reestabelecer a base de clientes e, mais, concede excessivas vantagens competitivas às novas operadoras que ingressam no mercado de telecomunicações, visto que os novos entrantes poderão realizar ofertas mais agressivas diante da impossibilidade fática de estendê-las automaticamente a antigos clientes inexistentes.

Ressalte-se, por fim, que o STF concedeu liminar, ainda válida, para suspender a aplicação do art. 1º, parágrafo único, da referida norma paulista, no tocante aos serviços de telefonia móvel, restando aguardar o julgamento previsto a ocorrer no dia de hoje.

Com efeito, é de se destacar que as investidas e tentativas estaduais de interferência indevida no setor de telecomunicações não se restringem ao Estado de São Paulo, tampouco ao tema específico acima destacado. No Estado do Rio de Janeiro, o Projeto de Lei nº 533/2015, em trâmite na ALERJ (Assembleia legislativa estadual), pretende obrigar as empresas prestadoras do serviço de internet a apresentar ao consumidor, na fatura mensal, gráficos que informem a velocidade diária média de envio e recebimento de dados entregues no mês.

Conforme se observa, o referido projeto também viola seara legislativa privativa da União Federal no tocante ao setor de telecomunicações, bem como interfere na livre iniciativa e na liberdade econômica, causando obrigação excessiva às prestadoras de serviços de telefonia e internet capaz inclusive de acarretar a majoração de tarifas cobradas de consumidores e usuários. 

Finalmente, cabe lembrar que, em diversas oportunidades, o STF assentou a inconstitucionalidade formal de normas estaduais e distritais que interferiam diretamente na atividade das concessionárias de serviços de telecomunicação diante do flagrante vício formal de competência ou iniciativa legislativa. A propósito, o Ministro do STF Gilmar Mendes destaca que:“(…) os vícios formais afetam o ato normativo singularmente considerado, sem atingir seu conteúdo, referindo-se aos pressupostos e procedimentos relativos à formação da lei. Os vícios formais traduzem defeito de formação do ato normativo, pela inobservância de princípio de ordem técnica ou procedimental ou pela violação de regras de competência. Nesses casos, viciado é o ato nos seus pressupostos, no seu procedimento de formação, na sua formal final.” A corte tem reiterado que a matéria deve ter tratamento uniforme no País, em razão do seu caráter nacional e destacando a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997).

Análise escrita por

Hugo Filardi
Sócio do Contencioso Empresarial

Thiago de Oliveira
Sócio do Regulatório