A mediação por videoconferência

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Conflitos são inevitáveis e fazem parte integrante da condição humana. É natural que os Homens em coexistência social vivenciem uma miríade de conflitos em razão da pluralidade – e por vezes antagonismo – de objetivos, interesses e percepções da situação social.

         Esses conflitos, embora inerentes à vida em sociedade, perturbam o equilíbrio do sistema e a paz social, e, portanto, devem ser pacificados. Esse múnus cabe ao Estado por meio do exercício tanto da função legislativa a estabelecer regras de condutas socialmente aceitas, com efeitos não apenas reguladores, mas também transformadores das realidades sociais, além de pautas de comportamento para a generalidade da dinâmica social nos infindáveis aspectos das relações humanas, como, também, por meio da atividade jurisdicional, pela intervenção do Estado-juiz no exercício desse poder-dever, a impor a solução do conflito entre as partes com a rigorosa aplicação da lei.

         A cultura do conflito que permeia nossa sociedade acaba por sobrecarregar o Poder Judiciário, que sofre de inquietantes deficiências estruturais a promover a sua disfunção.

         De fato, é extraordinário o número de processos levados ao Poder Judiciário como consequência desta cultura de conflito: em média, para cada grupo de 100.000 habitantes, 10.675 ajuizaram uma ação judicial no ano de 2020. Durante o ano de 2020, 25,8 milhões de novos casos foram ajuizados e, embora 27,9 milhões tenham sido arquivados, no final de 2020 o estoque de processos pendentes no Poder Judiciário contabilizava 75,4 milhões de processos.

    Estes números impressionantes refletem na duração do trâmite processual. O tempo médio desde o ajuizamento até a decisão final é de 5 anos e 4 meses na Justiça Estadual e 5 anos e 8 meses na Justiça Federal. É bem distante, como se percebe, do que seria a razoável duração do processo judicial, o que de resto é exigido pelo artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que prescreve: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

         O Poder Judiciário presta a jurisdição de modo inadequado e categoricamente insatisfatório aos descrentes jurisdicionados que aspiram, para além da própria solução do conflito, um ideal de justiça. E se a jurisdição e a cultura do Estado-juiz sofrem desgaste, fato dotado de forte aspecto negativo em razão da ineficiência da Justiça brasileira, não há como negar como contraponto o benefício de, ao se abandonar a ideia preconceituosa de jurisdição como única forma de resolução de conflitos, permitir-se, ainda que sob a preocupação da morosidade na prestação jurisdicional, que se descortinem e desenvolvam outros métodos aptos para a solução de conflitos.

         Esses métodos ganharam pelos norte-americanos o epíteto de ADR (“Alternative Dispute Resolution”) para se referir a método de resolução de litígios que prescinda de processo judicial. Os meios alternativos de resolução de conflitos vêm sendo adotados progressivamente no Brasil, a despeito da cultura do litígio e das dificuldades de mudança de mentalidade orientada para a resolução de conflitos por meio da jurisdição.

         O próprio Estado, ciente das suas mazelas e dificuldades para o cumprimento do seu poder-dever de prestar a jurisdição com eficiência, vem adotando políticas de promoção de utilização de métodos compositivos alternativos para a pacificação dos conflitos.

         Nessa ordem de ideias, é de se destacar que a mediação ganha relevância paulatinamente sob o influxo da Lei de Mediação (Lei 13.140/15) e do novo Código de Procedimento Civil (Lei 13.105/2015).

         Não é para menos: a mediação é eficiente, promove a compreensão dos aspectos reais e sensíveis do conflito de interesses, restaura as relações comerciais entre os litigantes e propicia a rápida solução das controvérsias por meio de um acordo construído livremente pelas próprias partes, sem a transferência da solução da controvérsia a terceiros (juiz ou árbitro).   A solução de conflitos por meio da mediação é mais rápida e menos dispendiosa do que a solução por meio de procedimentos judiciais e de heterocomposição, como é o caso da arbitragem. 

         Assim, diante da relevância desse novel instrumento de solução de conflito ofertado pelo direito brasileiro, faz-se oportuno tecer comentários acerca do fenômeno da medição online.

         A utilização desses termos – mediação online – nos remete, em uma perspectiva histórica, à experiência norte-americana que data o ano de 1992, época em que foi publicado o Scientific and Advanced-Technology Act of 1992, lei que permitia à National Science Foundation – NSF, agência governamental dos Estados Unidos independente que promove a pesquisa e educação em ciência, a conectar-se a outras redes  de computadores, inclusive de caráter comercial.

         Até aquele momento, o uso da internet estava restrito, em sua maioria, a alunos e funcionários de universidades, e, portanto, dessas relações não surgiam muitos conflitos e quando surgiam, eram específicos e de fácil solução local ou nas relações universitárias. Entretanto, a partir da publicação daquela lei ampliou-se e diversificou-se a base de usuários e, por conseguinte, houve aumento nos conflitos entre usuários e entre usuários e os provedores de acesso à internet.

         Assim, em 1996 foi criado o Virtual Magistrate Program que tinha como objetivo a solução online de conflitos envolvessem os usuários e os provedores de acesso, envolvendo o envio de mensagens e arquivos.

         A plataforma de mediação online de maior destaque foi então desenvolvida por uma startup, o SquareTrade, e vem sendo há décadas utilizado pela eBay, empresa norte-americana de comércio eletrônico, para resolver os conflitos entre seus usuários, por meio de método autocompositivo direto entre as partes ou com a participação de um mediador em ambiente virtual. O potencial da utilização de plataformas de mediação online para a solução de conflitos pode ser medido pelos números da plataforma do eBay: 60 milhões de conflitos resolvidos por ano utilizando a plataforma online.

         Embora mediação online comumente e até bem recentemente remetesse àquela ideia de mediação realizada por meio de plataformas, a crise causada pela pandemia da COVID-19 impulsionou o uso de ferramentas próprias da mediação online na realização de mediações antes realizadas quase que exclusivamente presencialmente, isso a despeito de tanto a Lei de Mediação como o Código de Processo Civil estabelecerem que a mediação poderia ser realizada por videoconferência ou por outros meios eletrônicos.

         É de se elencar, a esse propósito, que a solução do conflito utilizando-se de ferramentas próprias da mediação online apresenta algumas vantagens em relação às mediações exclusivamente presenciais. Nesse diapasão, é assinalável que o seu custo é menor por não demandar sessões presenciais, o que significa que não há despesas com deslocamentos para as sessões.

         É conveniente para aqueles que vivem distantes dos centros urbanos, além de permitir a mediação interestadual ou internacional sem grandes custos adicionais.

         A mediação por videoconferência permite, ainda, o estabelecimento de comunicação mais ponderada (autoanálise das emoções) por não ocorrer a interação pessoal. A experiência nos demonstra que durante as sessões de videoconferência as partes estão inclinadas a se comportar com um menor grau de agressividade, talvez pelo fato da pessoa visualizar também a sua imagem na tela.

         Contudo, mediações com a utilização de videoconferência apresenta algumas desvantagens quando comparadas com as presenciais. Primeiro porque a mediação realizada virtualmente não oferece interação presencial, onde as partes estão frente a frente em um mesmo ambiente e confrontam suas emoções e expõem seus sentimentos, em um diálogo com abundantes mensagens transmitidas pela linguagem corporal que são observadas pelo mediador para a utilização de ferramentas próprias à condução da mediação.

         Há, ainda, uma barreira de acessibilidade em razão de restrições de ordem econômica, uma vez que a participação em videoconferência demanda possuir computador ou smartphone e acesso de qualidade à internet.

         A latere de ponderação de vantagens e desvantagens uma questão que se coloca é se a utilização de mediação por videoconferência será parte do que se passou a intitular de “novo normal” ou se voltaremos, com a diminuição e – oxalá – término da pandemia, ao modelo exclusivamente presencial nas mediações que não sejam por via de alguma plataforma eletrônica.

         A resposta a essa indagação ao futuro pertence.


Artigo escrito pelo nosso sócio sênior, Carlos Roberto Siqueira Castro.