A inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre os usuários dos Aeroportos e a Concessionária Administradora 

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É patente que o mercado e a economia, na proporção de suas evoluções, acabam por demandar meios de locomoção eficazmente aptos a acolher as suas necessidades, modernizando-se e possibilitando aos seus usuários a agilidade, o conforto e, principalmente, a otimização de tempo almejados. Seguindo esta premissa, era de se esperar que ocorressem inúmeras questionamentos e mudanças na aviação civil no decorrer dos anos, justamente por este ser, atualmente, um dos meios de transporte mais céleres que se tem conhecimento. 

Acontece que, neste contexto de progressivo desenvolvimento de um mercado, somado ao fato de que os aeroportos vêm se transformando em verdadeiros centros comerciais, contando com diversos serviços extras, além do transporte de cargas e passageiros, entra a figura central para garantir que tudo ocorra conforme planejado: as operadoras aeroportuárias responsáveis pela gestão dos aeroportos.  

Portanto, tratando-se as referidas empresas de operadoras aeroportuárias responsáveis pela gestão de aeroportos e, por conseguinte, na qualidade de concessionárias de serviços públicos, a análise extensiva da relação jurídica existente entre estas empresas e os usuários dos serviços públicos prestados pelas mesmas mostra-se de todo relevante, justamente porque sabe-se serem comuns os casos de usuários lesados e diversos cenários de adversidades que comumente surgem neste campo.  

Dito isto, no cenário atual, a relação entre usuários de aeroportos e as concessionárias desses espaços tem sido objeto de discussão no âmbito jurídico. A interpretação correta da natureza dessa interação se torna crucial para definir as responsabilidades legais e os direitos dos envolvidos. Este artigo tem como propósito analisar a ausência de relação de consumo entre o usuário do aeroporto e a concessionária, considerando a legislação vigente e a jurisprudência relevante. 

Sendo assim, haja vista se tratar de mercado em notória ampliação é de extrema pertinência que se analise a aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor nas relações estabelecidas entre o usuário do serviço público prestado nos aeroportos e a concessionária que presta o referido serviço. 

 Legislação Atual e Natureza Jurídica da Relação 

 Com o aumento da privatização e concessão de aeroportos, surge a questão da natureza das relações jurídicas entre os usuários desses aeroportos, na qualidade de usuários de serviço público e as empresas concessionárias responsáveis por sua administração.  

Antes de abordar a ausência de relação de consumo entre o usuário do aeroporto e a concessionária, é essencial compreender a definição legal de relação de consumo. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), uma relação de consumo é o “tripé” formado por consumidor, fornecedor e produto/serviço, sendo requisito objetivo de existência, para haver relação de consumo, necessariamente, deve existir, concomitantemente, os três elementos. 

Ao examinar a dinâmica entre o usuário do aeroporto e a concessionária, torna-se evidente que a relação estabelecida não se enquadra necessariamente nos termos de uma relação de consumo. A concessão de um aeroporto a uma empresa privada implica uma relação contratual com o poder público, onde o usuário do aeroporto não é diretamente parte. 

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma legislação abrangente que estabelece os direitos e as garantias dos consumidores no Brasil. No entanto, em certas situações específicas, especialmente quando se trata de serviços públicos, a aplicabilidade do CDC pode ser limitada ou não se estender completamente aos usuários desses serviços, como acontece no caso dos usuários dos Aeroportos. Isso ocorre devido a certas características peculiares dos serviços públicos, tais como:  

Regulação Específica: Alguns serviços públicos são regulados por leis específicas e regulamentos governamentais que podem substituir ou complementar as disposições do CDC. 

O artigo 175 da Constituição Federal diz que o Poder Público poderá explorar diretamente ou sob regime de concessão, a prestação dos serviços públicos. O inciso II, do parágrafo único, do referido artigo, diz que a lei disporá sobre os direitos dos usuários.  

Assim, percebe-se que a relação estabelecida entre o usuário do serviço público, incluindo os usuários dos aeroportos, e a concessionária que presta o referido serviço público, é informada por princípios próprios, e possui natureza jurídica distinta da relação de consumo.   

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n° 4478 AP, entendeu que o usuário de serviços públicos tem regime distinto do da figura do consumidor. Destaca-se trecho da Manifestação do Excelentíssimo Ministro Dias Toffoli, no julgamento da referida ADI, que afirmou que: “não é por outra razão que o art. 175, parágrafo único, inciso II, determina que é a lei que estabelecerá a relação entre usuários, e não o Código de Defesa do Consumidor. Há, no caso, um regramento todo específico e especial e, ainda, uma novidade do nosso ordenamento, que é o órgão regulador do setor”. 

Notório o equívoco generalizado quando se afirma que o usuário de serviço público é um consumidor. Nas palavras do professor Antônio Carlos Cintra do Amaral: “Considera-se o usuário de serviço público a ele prestado pela concessionária talvez seja possível sob a óptica econômica. Mas sob a óptica jurídica o usuário de serviço público e o consumidor estão em situações jurídicas distintas. Uma coisa é a relação jurídica de serviço público. Outra, a de consumo. A relação jurídica entre concessionário e usuário não pode ser equiparada à existente entre duas pessoas privadas, que atuam na defesa de seus interesses específicos. O serviço público, cujo exercício é atribuído à concessionária, continua na titularidade e sob a responsabilidade do poder concedente. Perante a relação de consumo, diversamente, o Poder Público atua como “protetor” da parte considerada hipossuficiente, que, em regra, é o consumidor.” 

Ainda, o artigo 27 da Emenda Constitucional n° 19, de 1998, diz que “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação desta Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos”. Ou seja, percebe-se que uma Emenda Constitucional posterior ao Código de Defesa do Consumidor, disse que a defesa do usuário do serviço público seria regulada por lei do Congresso Nacional. Logo, resta claro que o constituinte não considera o usuário do serviço público um consumidor. 

Frisa-se que a concessionária administradora de aeroportos é responsável por uma série de atividades que visam garantir o bom funcionamento do aeroporto, desde a segurança operacional, manutenção de infraestrutura, sendo certo que a prestação destes serviços públicos, por vezes, é direcionada e orientada mais para o interesse público do que para os direitos individuais dos consumidores, o que pode influenciar a interpretação das leis e regulamentos aplicáveis. 

Neste sentido e, de acordo com a legislação atual, as relações entre os usuários de aeroportos e as concessionárias não se enquadram no âmbito de relações de consumo, uma vez que não necessariamente envolvem a aquisição de bens ou serviços para uso pessoal ou familiar. As normas específicas que regem as concessões de aeroportos muitas vezes estabelecem um regime jurídico diferenciado, o que pode impactar significativamente os direitos dos usuários. 

Portanto, embora o Código de Defesa do Consumidor possa oferecer alguma proteção aos usuários de serviços públicos, é essencial considerar as nuances específicas de cada situação e serviço público para determinar a extensão de sua aplicabilidade. Em algumas situações, podem existir regulamentos ou legislações específicas que regem os direitos e as responsabilidades dos usuários de serviços públicos, e essas leis podem ter precedência sobre as disposições do Código de Defesa do Consumidor. 

Diante dessa realidade, é fundamental considerar a implementação de mecanismos legais que assegurem a proteção dos direitos dos usuários de aeroportos, haja vista a ausência de uma relação de consumo entre o usuário do serviço público e a concessionária que presta o referido serviço público. Isso poderia incluir a revisão e atualização da legislação pertinente, bem como a criação de canais eficazes para lidar com reclamações e disputas.  

Pois bem, de toda forma, é possível concluir do presente trabalho que os usuários dos aeroportos, não se encontram respaldados no Código de Defesa do Consumidor, devendo exigir os seus direitos através de regramento específico e especial. 

Conclusão 

Diante do exposto, é possível concluir que a ausência de relação de consumo entre o usuário do aeroporto e a concessionária é sustentada pela natureza jurídica da concessão de aeroportos no Brasil. Embora o usuário seja o destinatário final dos serviços prestados, a relação entre as partes está mais próxima de um contrato administrativo regido por normas específicas do que de uma relação de consumo regulada pelo Código de Defesa do Consumidor. 

Referências 

  1. Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990. 
  1. Constituição Federal 
  1. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 
  1. Antonio Carlos Cintra do Amaral, Distinção entre usuário de serviço público e consumidor. Revista Diálogo Jurídico, n.13.