UNIÃO FEDERAL: NOVAS ALTERAÇÕES À LEI 14.133/21 DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS, APLICAÇÃO EXCLUSIVA DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS, HIPÓTESES DE ULTRATIVIDADE DAS NORMAS ANTIGAS 

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O Governo Federal promulgou a Lei nº 14.770, de 22 de dezembro de 2023, que introduziu modificações na Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021. 

Em sua ementa, é possível notar que as alterações visavam determinar “o modo de disputa fechado nas licitações de obras e serviços que especifica, facultar a adesão de Município a ata de registro de preços licitada por outro ente do mesmo nível federativo, dispor sobre a execução e liquidação do objeto remanescente de contrato administrativo rescindido, permitir a prestação de garantia na forma de título de capitalização e promover a gestão e a aplicação eficientes dos recursos oriundos de convênios e contratos de repasse”. 

Nesse sentido, observa-se que a Nova Lei de Licitações, entre outras alterações, passou a possibilitar que municípios adiram a atas de registro de preços municipais na condição de não participante, figura conhecida como “carona”. Além disso, incluiu o título de capitalização no rol de garantias contratuais permitidas, conforme estabelecido no art. 96, § 1º, IV. 

Dentre os vetos, a Presidência da República retirou duas importantes disposições, que ainda poderão ser retomadas pelo Congresso Nacional. A primeira delas refere-se à permissão para a utilização isolada do modo de disputa fechado, quando se tratar de licitação com valor estimado acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) e que se destine à contratação de: (i) obras ou serviços especiais de engenharia; (ii) serviços comuns de engenharia que incluam serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual; e (iii) serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. 

A outra disposição significativa que foi vetada dizia respeito à imposição de prazo para liquidação de pagamento pelo órgão público no âmbito das relações contratuais administrativas. Esses prazos, quando considerados em conjunto, não poderiam exceder 30 dias a partir do cumprimento da obrigação pelo contratado, preenchendo assim uma lacuna deixada pela redação original da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 

As razões de veto incluem a violação ao disposto no inciso I do caput do art. 163 e no § 9º do art. 165 da Constituição, que preveem a necessidade de lei complementar para disciplinar normas gerais de finanças públicas. A íntegra das razões pode ser conferida na Mensagem nº 721, de 22 de dezembro de 2023

Ainda dentre as alterações, o Poder Executivo realizou, por meio do Decreto nº 11.871, de 29 de dezembro de 2023, a nova atualização, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), dos valores estipulados pela Lei de Licitações. A medida realizada, visa adequar as cifras às variações econômicas e garantir maior eficácia nos procedimentos de compras públicas. 

Note-se o seguinte quadro comparativo entre os valores antigos de 2023 e os novos valores para 2024, incluindo modificações dos valores de dispensa de licitação em razão do preço contratado: 

DISPOSITIVO VALORES 2023 VALORES 2024 
Art. 6º, caput, inciso XXII R$ 228.833.309,04 R$ 239.624.058,14 
Art. 37, § 2º R$ 343.249,96 R$ 359.436,08 
Art. 70, caput, inciso III R$ 343.249,96 R$ 359.436,08 
Art. 75, caput, inciso I R$ 114.416,65 R$ 119.812,02 
Art. 75, caput, inciso II R$ 57.208,33 R$ 59.906,02 
Art. 75, caput, inciso IV, alínea “c” R$ 343.249,96 R$ 359.436,08 
Art. 75, § 7º R$ 9.153,34 R$ 9.584,97 
Art. 95, § 2º R$ 11.441,66 R$ 11.981,20 

Por fim, cabe destacar que foi publicado o Decreto nº 11.878/2024, no dia 10 de janeiro de 2024, regulamentando o procedimento auxiliar de credenciamento (art. 79 da Lei 14.133/2021) para a contratação de bens e serviços no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. O credenciamento, mediante chamamento público, é realmente uma alternativa célere e eficiente para o sistema de contratação pública, mas que demanda planejamento e um controle coerente a fim de não ser utilizado indistintamente em substituição à licitação pública convencional. Nesse sentido, os Tribunais de Contas locais vêm indicando diretrizes que devem ser observadas, tal como será demonstrado adiante.   

Dito isto, é importante ressaltar que os processos de compras públicas no Brasil passam a ser conduzidos exclusivamente de acordo com a nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021). A revogação definitiva das leis anteriores, como a Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 10.520/2002 e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011 (RDC), ocorreu em 30 de dezembro de 2023, conforme estabelecido pelo art. 193, II, da Lei nº 14.133/2021. 

Nesse contexto, os processos submetidos com base nas leis antigas necessitaram ter os editais, avisos ou atos de contratação publicados no Diário Oficial até 29 de dezembro de 2023. Portanto, embora definitivamente revogadas, os efeitos de ultratividade estabelecidos pelo artigo 191, parágrafo único, da Lei nº 14.133/2021 viabilizam a continuidade de aplicação de tais leis nos seguintes casos: 

  1. Contratos celebrados sob as antigas leis: Contratos originados de licitações ou contratações diretas realizadas sob a Lei nº 8.666/1993 ou Lei nº 10.520/2002 permanecerão regidos por essas legislações até sua extinção. Assim, todas as alterações contratuais, tais como prorrogações ou renovações, recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, entre outras, seguirão sendo submetidas ao regime da Lei revogada até que ocorra a extinção do contrato. 
  1. Licitações ou procedimentos de contratação direta publicados até 29 de dezembro de 2023: Da mesma forma, processos licitatórios ou de contratação direta publicados até 29 de dezembro de 2023, com base nas Leis nº 8.666/1993 ou 10.520/2002, poderão ter seus contratos regidos pelas antigas leis até serem extintos, mesmo que todos os trâmites ocorram durante 2024. 
  1. Atas de Registro de Preços celebradas de acordo com a Lei nº 8.666/1993 ou Lei nº 10.520/2002: Atas de registro de preços celebradas sob a Lei nº 8.666/1993 ou 10.520/2002 permanecem regidas por essas leis, independente da data, mantendo sua vigência e possibilitando contratos com base nessas atas mesmo após 30 de dezembro de 2023. Portanto, todo contrato celebrado com base na ata será regido pela legislação antiga até sua extinção, o que, por exemplo, possibilita a vigência de contratos orientados pela Lei 8.666/1993 até 2030, se consideradas todas as possibilidades de prorrogação. 
  1. Adesões a Atas de Registro de Preços após as revogações das antigas leis: Não há impedimento expresso na Lei nº 14.133/2021 a adesões a atas de registro de preços celebradas sob a Lei nº 8.666/1993 após sua revogação. Desta forma, a partir de uma interpretação alinhada aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, eficiência, economicidade e do interesse público, não se verifica, s.m.j., óbice a adesões a tais atas após o dia 30 de dezembro de 2023. 
  1. Republicação do Instrumento Convocatório após as revogações: Caso haja necessidade de republicação do instrumento convocatório de uma licitação publicada até 29 de dezembro de 2023, devido a esclarecimentos ou impugnações, surge uma dúvida: seria possível aproveitar esse processo licitatório, ou seria necessário iniciar um novo, conforme a Lei nº 14.133/2021? Embora o legislador não tenha dado uma resposta para tal situação, entende-se que a tese que melhor se adequa ao interesse público seria a de que o processo licitatório pode ser aproveitado, desde que a primeira publicação do edital ocorra até 29 de dezembro de 2023, em homenagem, mais uma vez, aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, eficiência e economicidade. 
  1. Orientação Normativa AGU nº 79, de 29 de dezembro de 2023: De acordo com o recente enunciado elaborado pela AGU, será admitida a celebração de contrato de remanescente de obra, serviço ou fornecimento com base na Lei nº 8.666/1993, em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido, na forma do art. 24, inciso XI, da referida lei. 

A Lei nº 14.133/2021, fruto de oito anos de debates no Congresso Nacional, apresenta diversas inovações para promover eficiência e racionalidade processual, economicidade e melhor aproveitamento dos recursos disponíveis. Entre as novidades estão o planejamento prévio da contratação, novas modalidades de licitação, como o diálogo competitivo e o leilão, a aplicação do pregão em todas as esferas da Administração Pública, a criação do Sistema de Compras do Governo Federal (Compras.gov.br) e do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). 

Embora desde abril de 2021 tenham sido publicados 47 atos normativos para promover a transição e modernização dos processos de compras públicas no Brasil, o Acórdão 2.154/2023 — Plenário do Tribunal de Contas da União revelou que a Lei nº 14.133/2021 foi aplicada em apenas 3,1% dos processos licitatórios entre agosto de 2021 e julho de 2023. Esse dado indica que, apesar dos esforços iniciais, a real implementação da nova lei está apenas começando.