A volta do voto de qualidade no CARF 

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No último dia 30 de agosto (quarta-feira), o plenário do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 2.384/2023, que aguarda sanção presidencial. O PL traz diversas medidas relevantes que alteram, além do voto de qualidade no CARF, a execução de garantias judiciais e o regramento de penalidades tributárias.

Voto de qualidade e seus desdobramentos

O projeto de lei aprovado no Senado reinstitui a sistemática do voto de qualidade, que havia sido extinto pela Lei Federal nº 13.988/2020, com ampla discussão no Congresso Nacional. Assim, em caso de empate entre os Conselheiros representantes do contribuinte e do Fisco, prevalecerá o voto do Presidente, representante do Fisco.

A primeira mudança trazida pelo projeto trata da exclusão da multa e da representação fiscal para fins penais de que trata o art. 83 da Lei nº 9.430/1996 na hipótese aplicação do voto de qualidade.

Outra modificação importante trazida pelo PL trata da possibilidade de os contribuintes, na hipótese de julgamento com voto de qualidade favorável ao Fisco, efetuarem o pagamento do crédito tributário de forma parcelada (até 12 vezes), podendo ser utilizados créditos de precatórios ou de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e sem a incidência de juros de mora, desde que dentro do prazo de 90 (noventa) dias do julgamento.

Se não houver o pagamento dos débitos decididos pelo voto de qualidade no prazo de 90 (noventa) dias, os débitos serão inscritos em dívida ativa da União sem a incidência do encargo legal de 20% do art. 1º do Decreto-Lei º 1.025/1969 e das penalidades.

A depender de seu patrimônio líquido e capacidade de pagamento, e desde que nos últimos 12 (doze) meses anteriores ao ajuizamento da medida judicial tenham sua certidão de regularidade fiscal conjunta da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (RFB/PGFN) válida por mais de 3 (três) meses, os contribuintes ainda poderão ser dispensados de apresentar garantias nos processos judiciais que discutam créditos constituídos pela aplicação do voto de qualidade no CARF.

Por outro lado, nos casos em que for exigível a apresentação de garantia judicial dos débitos constituídos pelo voto de qualidade, não será admitida a execução da garantia até o trânsito em julgado da medida judicial, ressalvados os casos de alienação antecipada previstos na legislação.

Além de prever a possibilidade de os contribuintes transacionarem referidos débitos, a depender de futura regulamentação da PGFN, o projeto prevê também que as novas regras se apliquem aos processos decididos durante a vigência da MP nº 1.160/2023 – que reestabeleceu o voto de qualidade, mas não foi convertida em Lei – e aos pendentes de julgamento de mérito nos Tribunais Regionais Federais (TRFs).

As alterações trazidas pelo Projeto de Lei nº 2.384/2023, de certa forma, diminuem os danos aos contribuintes com o reestabelecimento do voto de qualidade, sobretudo diante da extinção das penalidades, do encargo-legal e da possibilidade de negociação do passivo fiscal, inclusive com o emprego de créditos de prejuízo fiscal e de base negativa de CSLL.

Novas regras para oferecimento e execução de garantia

Por outro lado, o PL também traz alterações significativamente benéficas aos contribuintes na sistemática de apresentação de garantias em sede de Execução Fiscal (Lei Federal nº 6.830/1980).

O texto prevê que a garantia do valor principal do débito atualizado por meio de seguro garantia ou carta-fiança passará a ter os mesmos efeitos que a penhora integral, para fins de expedição de certidões de regularidade fiscal (art. 206 do CTN).

Oportuno lembrar que a regra não se aplica para aqueles que durante os últimos 12 (doze) meses anteriores ao ajuizamento da execução, não tiveram certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 (três) meses, consecutivos ou não.

Além disso, o PL também prevê que as garantias só poderão ser liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado da decisão de mérito, sendo vedada a liquidação antecipada. Tal medida representa um avanço significativo nas tratativas entre Fisco e contribuinte, trazendo maior segurança jurídica, uma vez que o tema sempre gerou bastante controvérsia nos tribunais pátrios.

A prematura liquidação das garantias trazia grandes prejuízos aos contribuintes e às seguradoras, vez que eles precisavam depositar vultuosos valores em juízo antes mesmo de existir qualquer decisão transitada em julgado pela exigibilidade ou não do tributo.

Ainda, o PL traz a responsabilidade do Fisco ressarcir as despesas do contribuinte com oferecimento, a contratação e a manutenção de garantias em caso de sua derrota. A medida é positiva, uma vez que o tema sempre gerou bastante insatisfação aos contribuintes por necessitarem dispender valores significativos para manter garantias ativas e por um grande tempo enquanto se julgava o processo.

Revisão do quadro de multas tributárias

Se afastando um pouco da temática do voto de qualidade no CARF, o texto do PL também traz outras modificações significativas na legislação tributária federal. A primeira delas trata da redução – de 150% para 100% – da multa qualificada que é aplicada nos casos de configuração de fraude, dolo ou simulação fiscal (arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/1964).

Também está prevista a criação de uma nova multa de 150% nos casos de reincidência nos atos de fraude, dolo ou simulação, a ser aplicável ao sujeito passivo que praticar novamente o ato dentro de um prazo de 2 (dois) anos do lançamento anterior que lhe houver imputado a referida conduta.

Além da possibilidade de se afastar a majoração da multa qualificada se sanada a ação ou omissão durante o curso da fiscalização, o projeto também afasta a sua aplicação quando: i) não estiver configurada, individualizada e comprovada a conduta dolosa do contribuinte; ii) houver sentença penal de mérito absolvendo o contribuinte do crime tributário; e iii) tiver o sujeito passivo divulgado os atos ou fatos que ensejaram a qualificação da multa ou não tiver tentado omiti-los.

A principal mudança refere-se à configuração, individualização e comprovação da conduta dolosa, uma vez que diversas autuações fiscais restavam mantidas em âmbito administrativo pela Fazenda Pública sem qualquer comprovação de dolo dos agentes envolvidos.

Em relação à tradicional multa de ofício de 75%, além de poder ser relevada de acordo com o histórico de conformidade tributária do contribuinte ou do responsável tributário, o projeto também prevê sua redução em 1/3 (um terço) para alguns casos: i) quando for constatado erro escusável do sujeito passivo que demonstre sua cautela para assegurador o adequado cumprimento da obrigação tributária; ii) quando decorrer de lançamento de ofício decorrente de divergência na interpretação da legislação que disponha sobre a obrigação tributária; iii) tiver o sujeito passivo agido de acordo com as práticas reiteradas adotadas pela Administração ou pelo segmento de mercado em que estiver inserido.

Referidas modificações atendem um anseio antigo das empresas de não serem punidas excessivamente com multas por erros considerados escusáveis, como acontece por exemplo na inserção de código de receitas equivocadas para um recolhimento.

Por fim, em reação aos recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal e também em observância do princípio constitucional do não confisco (art. 150, inc. IV, CF/88), o projeto também prevê o cancelamento de ofício do excedente de 100% (cem por cento) do valor do crédito tributário de multas aplicadas, inscritas ou não em dívida ativa, parceladas ou em discussão judicial, assegurando o direito de os contribuintes reaverem valores pagos mediante ajuizamento de medida judicial.