O hidrogênio verde, o Brasil e a transição energética mundial

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O hidrogênio é um dos elementos químicos mais abundante na natureza. Contudo, é também um dos mais reativos, razão pela qual ele não é encontrado de forma isolada, mas sim compondo outras substâncias a exemplo da água e hidrocarbonetos.

Tal característica desse gás torna necessária a realização de processos químicos – que demandam o emprego de energia – para obtê-lo isoladamente e, com isso, utilizá-lo para armazenar e gerar energia. Por essa razão ele é considerado um “vetor energético”.

Diversas são as fontes de energia que podem ser utilizadas para produção do hidrogênio, a exemplo do gás natural e carvão mineral, casos em que o gás obtido é classificado como hidrogênio cinza e marrom, respectivamente.

Já o chamado hidrogênio verde é aquele produzido via eletrólise da água, com a utilização de energia de fontes renováveis como a eólica e solar, não emitindo, portanto, dióxido de carbono (CO2) na atmosfera.

Essa característica, somada à viabilidade do seu transporte e armazenamento, tornam o hidrogênio verde um vetor energético estratégico para o atual processo de transição energética que o mundo atravessa, que tem a descarbonização e segurança energética como seus principais vetores, nos termos do Acordo de Paris, celebrado em 2015.

Destacam-se nessa demanda por hidrogênio verde e de baixo carbono os países da União Europeia.

Isso porque de um lado esses países são grandes consumidores de energia fóssil que buscam, com urgência, alterar esse perfil (em 2021, assinaram um compromisso – Fit for 55 – estipulando como novas metas climáticas a redução de pelo menos 55% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030). De outro, tais países não possuem as condições necessárias para produção desse vetor energético, justamente pela baixa capacidade de geração de energia renovável. A título de exemplo, estima-se que a Alemanha será capaz de produzir, aproximadamente, somente 10% da demanda interna de hidrogênio verde, precisando importar o restante.

Segundo o relatório “Global Review Hydrogen 2021”, publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), um dos principais desafios para a consolidação desse vetor energético no mercado é o custo de sua produção, o que inclui o custo da energia renovável e dos eletrolisadores nela utilizados.

Não por outro motivo, de acordo com o relatório “World Energy Outlook 2021” (IEA), em 2020, apenas 1% de toda a produção mundial de hidrogênio (90 Megatoneladas) foi de baixo carbono.

Nessa temática, há de se considerar que, de acordo com o relatório “Green hydrogen cost reduction”, publicado pela Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, na sigla em inglês) em 2020, a redução do custo da energia renovável e a melhoria das tecnologias de eletrólise podem tornar o hidrogênio verde competitivo até 2030.

Esse cenário cria uma oportunidade relevante para os países que, como o Brasil, têm uma elevada capacidade de geração de energia renovável.

Segundo o relatório “Hydrogen in Latin América” (IEA, 2021), a América Latina tem as condições para ser uma grande exportadora de hidrogênio verde, em razão do seu potencial de geração de energia por meio de fontes renováveis. Em avaliação desse documento feita pela Observatório de Hidrogênio do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi destacado o potencial do Brasil e do Chile em alcançar a capacidade para produzir essa modalidade de hidrogênio a um preço viável, com base em energia gerada por fontes solar e eólica onshore.

Aqui no Brasil, o tema não é novo, tendo o governo federal, já em 1998, implantado o Centro Nacional de Referência em Energia do Hidrogênio (CENEH) e, em 2005, publicado o “Roteiro para a Estruturação da Economia do Hidrogênio no Brasil”, entre outras iniciativas.

Mais recentemente, atendendo ao prazo estipulado pelo Conselho Nacional de Políticas Energética (CNPE), por meio da Resolução CNPE n° 6/2021, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou, em agosto de 2021, o documento “Propostas de Diretrizes do Programa Nacional do Hidrogênio – PNH2”, estruturado em seis eixos temáticos: (1) fortalecimento das bases tecnológicas; (2) capacitação e recursos humanos; (3) planejamento energético; (4) arcabouço legal-regulatório; (5) crescimento do mercado e competitividade; (6) cooperação internacional; além de um eixo transversal, que é a promoção da aceitação pública do hidrogênio.

Esse documento pretende ser mais um passo para pavimentar o caminho do hidrogênio verde no setor energético brasileiro. Resta, ainda, avançarmos na regulamentação do tema para que seja criado o ambiente adequado para atrair, com segurança, os vultosos investimentos necessários para consolidação do Brasil como um player relevante no mercado desse vetor energético.

Independentemente da maturidade do nosso ordenamento, o imenso interesse nacional e internacional nesse tema já resultou, somente no Estado do Ceará, na celebração de 17 memorandos de entendimento com empresas para a futura produção de hidrogênio verde no Complexo Portuário de Pecém, que tem sido chamado de “Hub do hidrogênio verde”.

Apenas para ilustrar os valores envolvidos nas tratativas tidas entre o governo do Ceará e as empresas interessadas, os planos da Fortescue Future Industries envolvem o investimento de US$ 6 bilhões de para produzir 15 milhões de toneladas de hidrogênio verde entre 2025 e 2030. Já as empresas BI Energia, Cactus Energia Verde e Uruquê Energias Renováveis assinaram memorandos de entendimento que preveem investimentos de mais de R$ 26 bilhões para construção de três projetos de geração renovável, incluindo um parque eólico offshore, além de uma planta de eletrólise, tudo voltado à produção de hidrogênio verde.

Se o poder público brasileiro fizer a sua parte, aprofundando, com a rapidez necessária, a criação das condições legais, regulatórias e de políticas públicas para a criação de um ambiente propício ao desenvolvimento de negócios relacionados e essa temática, o Brasil poderá se valer do potencial de geração de energias de fontes renováveis, não apenas para manter a nossa matriz energética sustentável, como também para figurar um grande exportador de hidrogênio verde para os países que buscam descarbonizar suas economias.

Artigo escrito por David Waltenberg e Humberto Negrão, do setor de Energia

Publica originalmente no Broadcast Energia, do Estadão.